RIO - A história dos povos modernos poderá ser contada paralelamente à história da sua imprensa. A imprensa é testemunha da história e também é história. Victor Hugo disse que o seu diâmetro é o próprio diâmetro da civilização.
Conhecemos – e bem! – uma sociedade pela volumetria quantitativa e qualitativa da sua imprensa, mostrando-lhe a substância sociológica e psicológica.
Ela dirá da expressão criativa, da liberdade em esplendor, das dores e da miséria, das luzes e da sinfonia, enfim, de toda a vida da ação na vida das palavras. Mauro Mota tem razão em dizer: “O jornal não só registra os acontecimentos do dia. Faz a crônica de um povo. O maior delito da imprensa seria o de procurar enganar o tempo”.
A imprensa é o bom-dia e o boa-noite no quotidiano do homem contemporâneo.
O jornal de anteontem já ganha a perspectiva que o de ontem ainda não tem. E o jornal velho é documento da história.
Gilberto Freyre pôde teorizar, antropologicamente, com base nos anúncios da venda de escravos publicados pela imprensa; pôde ainda, em Ordem e progresso, explicar o processo de mudanças no Brasil, que resultou no câmbio da Monarquia para a República, conferindo suas ideias também nos jornais e periódicos daquele tempo, assim como já o fizera em Casa-Grande & senzala.
A imprensa não pode derrapar, por isso, “um jornal vale pelas verdades que ele diz. Suas páginas tanto podem ir para o lixo como entrar para a história”. Ela pode dosar, soberanamente, o exercício dessa liberdade de que deve ser, ao ritmo do momento histórico, a força reivindicante, o protesto pela sua implantação ou a barreira à sua desvirtuação.
Como ensinou Shakespeare, a liberdade que não se controla será domada por sua própria desgraça.
O bom profissional da imprensa sabe e deve praticar isto.
Em clima de liberdade absoluta, como nunca se registrou na história republicana, fizemos a Constituição de 1988, onde – não poderia deixar de ser – essa liberdade é registrada como conquista e assegurada em sua intocabilidade.
Isto tem muito a ver com o que se passou no Brasil, faz mais de um século.
Anote-se o centenário do Jornal do Brasil, então.
O JB é íntimo também das ações e reações de uma Constituinte. O JB fundado em 9 de abril de 1891, por Joaquim Nabuco e Rodolfo de Souza Dantas, é um jornal, àquele tempo republicano, de acento monarquista. Nasceu pela inconformidade a não convocação, até novembro de 1890, de assembleia constituinte e só aderiu ao pensamento republicano, em 1893, quando Rui Barbosa passou a dirigi-lo.
Constituiu-se numa escola de brasilidade. Lutou, ainda nos seus momentos seminais, pela urbanização do Rio, pelo combate à febre amarela, pelo respeito à memória de Pedro II. E dali, até hoje, não faltou com gesto, materializado nas suas páginas, em nenhum instante da vida nacional.
Abrir a sua coleção é abrir as portas da história do Brasil, desde mais de 100 anos, sem hermenêuticas oficiais.
Foi fechado por Floriano e reabriu. Deixou de circular, ainda que só por um domingo, com o AI-5, mas não se amedrontou. Antes, na Revolução de 30, foi empastelado. Por quatro meses deixou de circular.
Em agosto de 61 o então Governador Carlos Lacerda chegou a censurar 90% das suas matérias! O JB reagiu e não circulou naquele dia.
Não se dobrou, nem a Floriano, nem a Lacerda.
Estes fatos são positivos na sua história e, penso, ajudam a explicar porque chegou ao centenário.
Ao longo do tempo, de tão do Brasil, ficou tão brasileiro o Jornal do Brasil.
Riobaldo, o personagem de Guimarães Rosa, ensinou: “Viver é perigoso”. O JB vive.
E todo mundo sabe, exatamente, que é o Jornal do Brasil, voz que se levanta sempre em favor do Nordeste; a casa que acolhe as propostas ligadas à cultura, de que fala a presença tão farta da Academia Brasileira. Ali passaram ou ainda estão, e recordo sem esforço: além de Nabuco, de Rui, Carlos de Laet, Constâncio Alves, Múcio Leão, Aníbal Freire, Alceu Amoroso Lima, Medeiros e Albuquerque, Viriato Corrêa, Ribeiro Couto, José Guilherme Merquior, Assis Chateaubriand, Odylo Costa, filho – seu reformador - José Sarney, Josué Montello, dom Marcos Barbosa, Cândido Mendes de Almeida, Arnaldo Niskier, Barbosa Lima Sobrinho.
E a fim de não perder o vício do meu bairrismo, permitam-me confessar que vejo muita pernambucanidade nesse jornal.
No seu ato de semeadura está Nabuco. Mais de um século depois, passando em seu batente tantos pernambucanos, ainda no seu comando, anoto, houve sangue de gente dos Guararapes: os descendentes do Conde Pereira Carneiro; e o seu mais antigo colaborador, o pernambucano Barbosa Lima Sobrinho, até poucos anos atrás.
Afinal de contas, o primeiro prelo que funcionou no Brasil foi o de Pernambuco para “impressão de letras de câmbio e breves orações devotas”, isto, antes de dom João VI montar a Imprensa Régia.
E é do Recife a mais antiga publicação diária do mundo de língua portuguesa, o 'Diário de Pernambuco'.
Jornal do Brasil (RJ), 17/4/2009.