A modernidade sempre traz consigo desafios, que advém das mudanças impostas pelas novas tecnologias, novos pensamentos e novas pessoas. Para nós que lidamos com as interfaces do direito não seria diferente.
Ter a capacidade de compreender as alterações que estão se processando ao nosso redor é mais ou menos como querer prever o tempo estando postado no olho do furacão: não há como ser um observador neutro, pois os fatos interferem diretamente conosco e com o modo como vemos o mundo.
Os referenciais sobre os quais sempre pautamos nossa existência são desafiados e vão aos poucos esvaecendo. O próprio conceito de tempo e o espaço tem sido decomposto e reconstruído. Existe um tempo tríbio, como ensinou Gilberto Freyre. Em 1951, pela primeira vez na história, os telespectadores americanos puderam ver, simultaneamente, na televisão, imagens ao vivo das duas costas de seu país, contemplando, ao mesmo tempo, os oceanos Atlântico e Pacífico. Hoje esse feito, tão significativo para aquela época, foi totalmente ofuscado por um mundo em que a notícia e a informação são transmitidas em tempo real para todos os locais e regiões. Não foi só o mundo que se tornou uma aldeia, mas a aldeia também ganhou o mundo.
A tecnologia digital trouxe essa evolução a patamares superiores com seus computadores e redes. A realidade mapeada em sinais elétricos transformou em virtual tudo o que tocou. Fala-se que esta invasão pode desumanizar o homem, transformando-o em mais uma máquina num mundo de máquinas. Não tenha certeza disso.
Mesmo considerando que a atual quadra possui uma dinâmica nunca antes vivenciada, tenho a convicção de que se trata apenas de mais um ciclo na espiral da evolução humana.
O espanto do homem moderno diante da Internet assemelha-se ao de seu antepassado do século XIX diante das máquinas da revolução da revolução industrial ou dos pré-renascentistas diante das expedições marítimas. Ao seu tempo cada uma dessas invenções: computadores, máquinas de tear e caravelas, ajudaram a reformular o mundo e as relações entre as pessoas. Nem por isso o homem deixou de estar no centro do processo.
Por outro lado, a transição também não se realizou de forma totalmente indolor. Todos nós temos bem vivida a imagem de exploração dos trabalhadores, em grande parte mulheres e crianças, associadas à revolução industrial.
A revolução digital traz subjacente ameaças similares. A exclusão digital, a pasteurização da cultura ou o totalitarismo cibernético, tão bem explorado no livro “1984”, de George Orwell, são exemplos dos riscos que corrermos, na aplicação das leis.
Nesse contexto de riscos e oportunidades, é que Antonio Carlos de Andrada no livro Computocracia e o déficit democrático da Globalização, sob a proteção de rica e atualizada abonação, nos propõe refletir sobre aspectos filosóficos deste admirável mundo novo da modernidade. O convite é irrecusável. A viagem, mesmo adentrando em searas tão complexas, fascina pelo confronto da tecnologia com assuntos tão caros a todos nós, como a liberdade, a democracia, a individualidade e o direito.
Num mundo em que quando começamos a compreender o novo este já se transmudou em outro, mais avançado, toda fonte de referência abalizada é bem-vinda. E simplesmente não podemos nos dar à liberdade de tentar ignorar a avalanche. Sedimentar-se é o primeiro passo para a extinção, ou como diria Fernando Pessoa, “tudo que cessa é morte”.
Revista Justiça e Cidadania - Dezembro 2006