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A importância da primeira infância

 

Como educador, não posso deixar de valorizar a conceituação cientificamente consagrada. Os primeiros seis anos de vida são decisivos na formação da personalidade do ser humano. Somos o que virá depois. Partindo desse princípio freudiano, não muito conhecido das nossas autoridades, devemos dar uma atenção toda especial à educação infantil. O cérebro de uma criança ganha o seu peso normal exatamente nessa fase, quando bilhões de neurônios disputam espaços em nossas cabeças.


Se não houver uma alimentação adequada - como ocorre especialmente nos estados mais pobres - haverá deficiências que provocarão seqüelas praticamente irreversíveis. A criança deixa de aprender não porque não queira, ou simplificadamente seja mais burra, mas porque não tem um cérebro adequadamente formado. Ela perde boa parte da sua capacidade de apreensão de altíssimos índices de analfabetismo? Ou da crônica má qualidade de ensino?


Existe na lei brasileira algo incrível. O salário-educação, pago pelos empresários, é o quinto tributo nacional. Ele só vigora a partir da primeira série do ensino fundamental, ou seja, quando a criança está com seis ou sete anos de idade. Muitas vêzes, é o único recurso de investimento com que conta uma Secretaria de Estado de Educação. Daí sai a compra da abençoada e maldistribuída refeição escolar, que chamamos carinhosamente de merenda.


O raciocínio é simples: se a criança não é alimentada devidamente até os quatro anos de idade, como se desenvolverá o seu cérebro? Já vimos que será de forma precária. É urgente que a lei seja modificada, para que o atendimento da escola, batizada ou não de restaurante, como querem alguns, seja capaz de chamar à sua responsabilidade, especialmente no caso dos carentes, a tarefa de alimentar da melhor forma possível esses milhões de brasileiros condenados ao atraso. A presença oficial na linha do pré-escolar é simplesmente ridícula. O pouco que é feito se deve à iniciativa privada, que cobra caro pelos seus serviços, tornando-os proibitivos para a maioria pobre da nossa população. Nesse caso, a existência de mentes brilhantes passa a ser uma exceção.


Muitas vezes, pode parecer que se esteja apenas teorizando. Boas leituras são capazes de nos formar e informar corretamente. No caso, vivi a experiência pessoal de quatro anos à frente da Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, a segunda economia do país, com 130 mil professores públicos e perto de dois milhões de estudantes.


De uma feita, numa visita a Volta Redonda, fui chamado pelo prefeito (na época era uma região de segurança nacional) para acompanhar o funcionamento de uma colônia de férias, patrocinada pela nossa Secretaria. Eram 16 horas. Formaram-se longas filas de crianças, para comer a merenda. Uma sopa de verduras quentinha e suculenta, além da sobremesa inesquecível: mamão espelhado. Experimentei e gostei. Na fila, pergunto a um menino quantas vezes ele comia por dia. "Só essa vez", disse ele, baixando os olhos. "Você não come em casa?", perguntei. A resposta diz tudo: "Não, não tem. De manhã eu fico brincando, doido para chegar a hora de vir para a escola. Só aqui eu como!" Isso a duas horas do Rio, antiga capital da República. Se estamos assim, o que esperar do futuro?


 


O Fluminense (Niterói - RJ) em 19/05/2002

O Fluminense (Niterói - RJ) em, 19/05/2002