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Implosão petista e teimosa premiada

 

Lula prova toda a força da sua intuição política, fazendo o certo para vencer a crise. No refazer o contato direto com seu eleitorado de base, vai ao provérbio da frase certa, ao abraço e se reforça do tumulto de sempre à sua volta. O fracasso, reconhecido pela Folha de S. Paulo, da manifestação contra o presidente pela Força Sindical tornou também nítido o tira-teima dos prós e contras dos movimentos de massa começados nos últimos dias. Vencendo os contornos chapa-branca, o que apoiou Lula em Brasília deixa intocado o capital de mobilização popular que entra em jogo na superação da crise e no confinamento do escândalo ao Brasil oficial ou ao despeito e ao desencanto dos neolulistas no seu seio, os últimos a referendar a avalanche da chegada do PT ao Planalto.


A vaga moralista descambou hoje para o denuncismo com todas as galas da inacreditável "delação premiada". Sempre fez a cabeça das classes médias de dentro do sistema, por uma vez dispostas a dar uma chance a Lula. Mas a marca do partido diferente responde a outra lógica, tanto quanto a expectativa do "Lula-lá" traduz um valor político primordial, de identificação e de convivência democrática e pacífica do país de sempre, ou o Brasil do outro lado.


A acusação pára agora na convicção, pelos opositores mais coriáceos do racha nacional, do que representaria a demolição do presidente por impedimento, a partir do clássico discurso das suposições transformadas em convicção, por uma opinião pública que não chega ao país de base, mas comanda as manchetes nacionais. O que se interroga, sim, é o quanto Lula, penetrado da força de seu símbolo, fará diante do prognóstico de um PT esfacelado ou irreconhecível em todas as propostas da restauração e do movimento de volta às suas matrizes.


Num primeiro lance, não evitará esse reclamo suicida à pureza política, em que se esterilizam todos os fundamentalismos de qualquer mudança. No banho-maria das promiscuidades do Brasil de sempre, o repente moralista sempre fez verão no país das clientelas e do nepotismo. O partido diferente se expõe a esse crivo, mas a responsabilidade histórica que porta não pode cair na trampa dos recomeços de princípio, da busca da detergência típica do reino dos puros contra a política pelos desmunidos no aqui e agora das suas exigências mais fundas de mudança.


O dever do PT é reconhecer a contaminação pelo velho regime do que seja chegar ao poder e enfrentar a tentação das "maiorias já" e pela manipulação do poder por facções partidárias em defesa da eficiência dos propósitos. A volta ao marco zero, em nome da refundação da legenda, só nos deixa diante das reivindicações corpusculares, todas ciosas da última palavra para a repartida. O PSOL prematuramente expõe essa condição de partido nanico, ao qual se somariam agora enfrentando cláusulas de barreira de uma reforma política novas legendas restauradoras de um PT do B, ou do C, do ômega em que se refratará a sua poeira de esquerdas radicais.


Onde pára uma culpabilidade partidária que vai enfrentar o mesmo denuncismo desabrido? E uma razzia, por Tarso e seus companheiros, que se faça frente ao próprio partido aos olhos que o julgam de fora e diante dos quais se realiza o sacrifício das punições? Como, na prática, a refundação se vai dessemelhar do culto do puro e da implosão final da legenda, à cata dos varões da impunidade absoluta? A aceleração da busca à legenda ainda a confundir o seu mandato histórico pelo requisitório moralista.


O Campo Majoritário quer ter a sua teimosia premiada num aríete grosso que entende os ônus da prova e a condição-limite em que a sua sobrevivência não pode ser a das refundações. Quando a arenga moralista foi ao Planalto para pedir "todos fora", sabe o quanto o processo reivindicatório põe em causa todo o Congresso, a precedência da vida política do país e a pergunta pela corrupção sistêmica nacional. Ao se querer virar a página, atenta-se também ao que fica, e nela o intocado de uma esperança popular, na conquista do "Lula-lá".


O PT tem o seu pedaço no banco dos réus do "mensalão", mas o protagonismo do presidente agarra-se a uma vontade mais funda. Um plebiscito já que o confirmasse amarraria a certeza maior da estabilidade nacional e refuga, de logo, todos os impeachments. O PT dessa caminhada não necessita de re-reconhecer-se. Tampouco Lula precisa dele para fazer dos próximos meses a afirmação contundente do "a-que-veio". Nem, sobretudo, se tornar refém das oposições e trocar o direito à reeleição pelas exéquias em cova rasa de um melancólico fim de mandato. Entre Tarso e Dirceu, o ponto crítico foi em fugir ao auto-expurgo do partido a dar no poço sem fundo. E expor-se, sim, no jogo de suspeitos e provas reais, a quantos do PT vão ao "todos-fora", exigido do Congresso, para virar a página frente à nação.




Folha de São Paulo (São Paulo) 09/09/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 09/09/2005