"Cinco balas em nossos corações" era a faixa que estava na estação de Stockwell, em Londres, onde tinha sido executado, por engano e pela Scotland Yard, o brasileiro Jean Charles, um mineiro de Gonzaga, seduzido pelo paraíso da emigração.
A faixa estava errada. Não eram cinco balas, eram oito, seguindo o treinamento científico das polícias londrinas, treinadas em Israel, que mandam atingir o cérebro dos perseguidos e, depois, mais alguns tiros de confirmação. Assim determina o manual: "atirar para matar."
Isso, no mundo de hoje, é o exercício da violência cotidiana. Nos países subdesenvolvidos a ação é mais artesanal. Os grupos de extermínio atiram sem normas científicas.
Os ingleses foram os mestres dos americanos na forma de tratamento entre as pessoas e as nações, na manifestação da arrogância, da prepotência e na noção de superioridade. Assim, no passado, trataram suas colônias; e o Brasil, em muitos episódios de sua história, não foi exceção na convivência com eles.
Blair e Bush adotaram uma política comprovadamente ineficaz e frustrante: combater o terror com o terror.
Essa pobre e desolada mãe de Gonzaga que recebe o corpo morto do seu filho nada tem a ver com essa política. Ela é uma vítima no fim da cadeia interminável dos inocentes.
Lembro-me de Fernando Pessoa no poema "O Menino da sua mãe". Certamente ele não pensava no terror dos nossos dias. "No plano abandonado/ Que a morna brisa aquece,/ De balas trespassado/ - Duas de lado a lado -,/ Jaz morto, e arrefecerá". Depois, continua: "Tão jovem! Que jovem era!/ (Agora que idade tem?)" E conclui: "Lá longe, em casa, há a prece:/ "Que volte cedo e bem'/ Jaz morto, e apodrece,/ O menino da sua mãe."
Nada existe mais desastroso, decepcionante nos resultados e estrategicamente inútil do que a guerra do Iraque. Cada dia chega um corpo morto de um jovem americano com sua vida encerrada pela política de Bush.
O terror é a mais odienta forma de violência, porque atinge os inocentes sem clemência.
O que aconteceu com Jean Charles, jovem, saído de sua pátria, buscando a esperança de dias melhores, alimentando seus pobres e miseráveis pais condenados à pobreza absoluta?
Cartas de amor, as visitas de férias e os gestos de ternura acabaram-se. O que resta é o pobre corpo fuzilado, com o pavor e o medo dos homens que o agarravam.
No chão do trem está terminada a sua vida. Ontem chegou a Gonzaga o que seria uma esperança de futuro: "o menino da sua mãe."
E Blair, generoso e humano (sic), promete US$ 500 mil de ajuda e delicadamente balbucia uma fórmula de cortesia: "I'm sorry!" (Desculpe!).
Mas determina à polícia: continuem a matar, de preferência latinos e muçulmanos. "Esse é nosso dever. Estamos estressados com os acontecimentos de Londres." Ninguém pode negar aos ingleses a solidariedade e a revolta pelo que ali aconteceu. Mas é impossível atendê-los, oferecendo-lhes, sem revolta, o "menino da sua mãe", que chora em Gonzaga.
Triste do mundo em que vivemos ou, como dizia Lampião, "Meganha é meganha". Blair ou Bush.
Folha de São Paulo (São Paulo) 29/07/2005