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Hormônios e agressividade

 

“A natureza é sábia. Criou a testosterona, mas crioutambém a substância que pode ser considerada oantídoto desta, a ocitocina”


Agressividade é algo que está na ordem do dia, sobretudo no Brasil, onde, segundo uma pesquisa recentemente realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 90,1% das pessoas se dizem atemorizadas pela violência — em 23% dos casos, pela violência gerada na própria família. Do que resulta a violência, a agressividade? De fatores sociais, de fatores culturais, de fatores psicológicos e também de fatores biológicos. Nestes, os hormônios — essas misteriosas substâncias que, mesmo em minúsculas quantidades, podem alterar nossa maneira de ser e de agir — desempenham papel importante. Foi o que demonstrou um recente estudo realizado na África do Sul (que não é apenas hóspede da Copa; é um país dinâmico e em crescimento). Pesquisadores da Cidade do Cabo mostraram que a testosterona, hormônio masculino, pode fazer com que pessoas normalmente ingênuas, capazes de confiar em desconhecidos, tornem-se desconfiadas e agressivas. Que a

testosterona aumenta a agressividade e estimula a competitividade sabe-se há muito tempo; e, considerando-se a divisão de papéis entre os sexos, parece uma coisa lógica, ao menos entre animais.


Mas a natureza é sábia. Criou a testosterona, mas criou também a substância que pode ser considerada o antídoto desta, a ocitocina (também se grafa oxitocina). Descoberta em 1906 pelo cientista britânico Henry Dale, a ocitocina é um hormônio produzido na região cerebral conhecida como hipotálamo e armazenado na hipófise posterior. Promove as contrações musculares uterinas durante o parto e estimula a produção do leite durante a amamentação. A ocitocina diminui

a atividade da amígdala, parte do cérebro em que se originam as emoções do medo ou da raiva; a hiperatividade da amígdala explica muitos casos de fobia social. É responsável pela sensação de prazer que a mãe (e o pai: não se trata de um hormônio exclusivamente feminino, assim como a testosterona não é exclusivamente um hormônio masculino) tem quando segura o bebê no colo. O nível de ocitocina no sangue aumenta a visão da pessoa amada e com o orgasmo.


Por todas essas razões, a ocitocina é conhecida como “o hormônio do amor”. É verdade que a ocitocina também estimula a produção do potente neurotransmissor dopamina

na região cerebral associada ao surgimento do ciúme; mas o ciúme normal, não o patológico, é sinal de amor. A pesquisadora Sue Carter, da Universidade de Illinois, mostrou que o roedor conhecido como arganaz-do-campo é monogâmico, fiel à sua companheira, ao contrário de seu parente, o arganaz-da-montanha, que é um promíscuo, troca de fêmea o tempo todo e é agressivo. Qual a razão dessa diferença? Será que morar na montanha torna o bicho mais arrogante, mais solitário, enquanto que morar no campo, na planície, faz dos arganazes criaturas mais simples, mais confiáveis? Não, diz Sue Carter. A diferença reside no fato de que o arganaz-do-campo tem neuroreceptores que respondem à ocitocina, coisa que não acontece com o arganaz-da-montanha.


Voltando ao problema da violência no Brasil, seria a solução colocar ocitocina na água do abastecimento? Em Admirável mundo novo (Brave new world), de 1932, o escritor britânico Aldous Huxley nos fala de um utópico futuro em que as pessoas, embora divididas em castas, viveriam harmonicamente — uma harmonia assegurada por uma mítica droga chamada Soma, capaz de eliminar qualquer sentimento de revolta ou de insegurança. Seria a ocitocina a Soma tornada realidade?


Certamente não. O conhecimento dos hormônios nos mostra que a questão da violência é mais complexa do que parece, mas a solução para o problema obviamente não é química. E os brasileiros sabem disso. Para 43,1% dos entrevistados pelo Pnud, a tolerância e o respeito ao próximo (considerado por eles como o valor mais importante da sociedade) dependem, em primeiro lugar da família. Ou seja, a harmonia começa em casa, não na delegacia de polícia. Uma conclusão que o arganaz-do-campo aplaudiria de pé.


Correio Braziliense, 15/6/2010