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A hora dos microcontos

 

Não se tem uma conceituação precisa do que seja um conto, na nossa literatura.  Na dúvida, em certa ocasião, perguntamos ao romancista Josué Montello o que seria um conto.  A sua resposta foi instantânea: “Conto é tudo aquilo que chamamos de conto.”  E nada mais disse.
                                        
Dentro desta concepção, o escritor Marcos Vilaça, quando exerceu pela segunda vez a presidência da Academia Brasileira de Letras, instituiu um original concurso.  Pediu aos usuários do site da ABL (muito concorrido) que enviassem para a Casa de Machado de Assis o que se entendia por microcontos, textos com no máximo 140 caracteres, como se faz no twiter.  Foi um sucesso.
                                       
Para que se sinta o alcance da iniciativa, publicamos a seguir os três primeiros  colocados:
                                        
1º) “Toda terça ia ao dentista  e voltava ensolarada.  Contaram ao marido sem a menor anestesia.  Foi achada numa quarta, sumariamente anoitecida.” – Bibiana Silveira  Da Pieve (Rio de Janeiro).
                                      
2º) “Joguei.  Perdi outra vez! Joguei e perdi por meses, mas posso apostar: os dados é que estavam viciados.  Somente eles, não eu.” – Carla Ceres Oliveira Capeleti (Piracicaba, SP).
                                      
3º) “Não sabia ao certo onde tecer sua teia.  Escolheu um cantinho de parede da cozinha.  Acertou na mosca.” – Eryck  Gustavo Silva de Magalhães (Guaratinguetá, SP).
                                       
Deve-se assinalar, nos trabalhos premiados, a inteligência na concisão das frases, a sua elaboração literária e a precisão vernacular, o que para nós é fundamental.
                                        
Esses predicados, aliás, foram encontrados igualmente em outros microcontos selecionados pelo júri de imortais.  Podemos  exemplificar, com o que foi enviado por João Carlos Pedroso (Rio de Janeiro): “Ele passou a  vida esperando por ela.  Esperou que a vida passasse por ela.  E achou que com ela passaria a vida.  Ela viveu a vida.  Ele passou.”
                                         
Em seguida, vem o criativo trabalho de Luiz Felipe Marques, de Curitiba: “Na peça de estreia, o velho ator de nunca sucesso bebe com gosto o copo errado.  Grita, cai morto e pela primeira vez é aplaudido.”
                                       
Vejam  a inspiração de Luís David Venturino, de Bauru (São Paulo): “Apagão.  Alguém bate à porta.  Será um ladrão? O que ele diz: Quero vê-la! Vai embora, maníaco.  “Sou eu, vizinha, quero uma vela! Risos.”
                                        
É a vez de Cynara Navarro Amorim, de Campo Belo (São Paulo): “Após horas ali parado, contemplando o quadro, já não distinguia o que era  arte e o  que era vida.  Nem sabia mais se ele era mesmo o original.”
                                        
Outra contribuição de Curitiba (Paraná): “Tadeu tremia todo tempo.  Teresa tornou Tadeu triste: terminou, traiu Tadeu.  Teresa tem Tiago.  Tadeu tinha tudo, também tudo temeu.”  A autora é Karla Tavares Dudas, naturalmente com “t” no sobrenome.  Trabalho e talento.

Jornal do Commercio (RJ), 30/5/2013