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Grala Aranha e a Academia

 

Quando a Academia Brasileira de Letras se fundou em 1897, Graça Aranha não tinha nenhum livro publicado, mas, atuante nas revistas e no meio literário, foi convidado por Lúcio de Mendonça para dela participar e, após grande relutância, aceitou o convite.


De origem maranhense, pai jornalista e figura de prestígio na província, Graça Aranha foi para o Recife aos 14 anos, a fim de cursar a tradicional Faculdade de Direito. Ocorre, então, o primeiro impacto de sua vida, com o encontro com Tobias Barreto. No ambiente pouco renovador da faculdade em 1882, assiste ao concurso de Tobias e relata: ''O que ele dizia era novo, profundo, sugestivo. Abria uma nova época na inteligência brasileira e nós recolhíamos a nova semente, sem saber como ela frutificaria em nossos espíritos, mas seguros de que por ela nos transformávamos''.


Ao final do concurso, Graça pula a grade e atira-se nos braços de Tobias, que lhe pergunta:


''- Já é acadêmico?


- Sim, calouro.


- Pois bem. Vá à minha casa, esta noite.


E abraçou-me novamente''.


Eleito 15 anos depois para a Academia Brasileira de Letras, Graça Aranha escolheria Tobias Barreto como patrono da sua cadeira.


Escrevendo em 1922, recordaria o episódio do concurso: ''São passados mais de 40 anos desse grande choque mental e ainda ressinto em mim as suas inefáveis vibrações. Por ele me fiz homem livre. Por ele saí dos nevoeiros de uma falsa compreensão do universo da vida''.


Em 1902 publica Canaã , mas já vinha exercendo atividade diplomática, primeiro acompanhando Joaquim Nabuco na Missão da Guiana Francesa e passando a sofrer o influxo dessa grande personalidade, cujo perfil descreveria no prefácio do livro Correspondência de Machado de Assis e Joaquim Nabuco .


A presença de Graça Aranha no exterior não se limitou às atividades diplomáticas. Ele também se interessou interesse pelas novas correntes literárias, seja no campo do modernismo e do surrealismo, seja em posições mais conservadoras, como a de Maurice Barrés, de quem se tornou amigo e sobre quem escreveu depoimento.


Em 1921 Graça Aranha se transferiu em definitivo para o Brasil, pretendendo assumir uma liderança no movimento de renovação literária. A sua participação na Semana de Arte Moderna é discutida: alguns o consideram o grande líder do movimento, para outros seria apenas tolerado pelo grupo de jovens. Pronunciou a conferência de abertura da Semana sobre A emoção estética na arte moderna em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, e pode-se afirmar que a sua concepção filosófica e o seu espírito intelectual não estavam inteiramente de acordo com o ideário dos jovens escritores paulistas.


A estética da vida (ensaios) em 1921, e as obras posteriores, O espírito moderno (ensaios) em 1925, A viagem maravilhosa, em 1929, e O meu primeiro romance, póstumo e incompleto, além da peça Malazarte , não encontraram a mesma receptividade do primeiro livro, mas uma referência especial deve ser feita ao prefácio ao volume de Correspondência entre Machado e Nabuco (1925).


Em junho de 1924 proferiu na Academia Brasileira de Letras a conferência sobre O espírito moderno como prenúncio de seu desligamento. Nesse discurso, Graça examina a posição da ABL, declarando que ''a fundação da Academia foi um equívoco e um erro'' e acrescenta: ''A Academia será uma reunião de espectros?''.


A sessão foi tumultuada, com Graça Aranha sendo carregado ao final nos braços de vários jovens, inclusive Alceu Amoroso Lima e Augusto Frederico Schmidt. Osório Duque Estrada faz um protesto e Coelho Neto, também carregado pelos adeptos, se declara ''O último dos helenos''.


No projeto apresentado à instituição em 3 de julho, Graça propugna para que a Academia faça um dicionário brasileiro de língua portuguesa, incorporando os brasileirismos. O projeto foi rejeitado com parecer do acadêmico Mário de Alencar. Graça Aranha envia carta com o rompimento definitivo: ''A Academia quer persistir na sua posição eclética e antiquada, nefasta à literatura brasileira. Ela morreu para mim, como também não existe para o pensamento e para a vida atual do Brasil. Se fui incoerente aí permanecendo, separo-me da Academia pela coerência''.


A Academia, como do seu estilo, de forma gradual e sem arroubos, foi se renovando e acolhendo em seu seio os modernistas Manuel Bandeira e Ribeiro Couto, e os jovens paulistas de 22: Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia.


Assim, ao contrário da expressão de Graça Aranha, segundo a qual ''se a Academia não se renova, morra a Academia'', a ABL não morreu, se renovou, está viva e atuante, ao completar cento e oito anos de existência.




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 15/06/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 15/06/2005