Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Gilberto Freyre: centenário

Gilberto Freyre: centenário

 

Nenhum outro escritor de nosso tempo contribuiu, como Gilberto Freyre, para o conhecimento do Brasil. Nascido no Recife em 15 de março de 1900, marcou de tal modo os estudos sociais no Brasil que sabemos hoje haver entre nós duas épocas nesse terreno: antes de Gilberto Freyre, e depois. O que o distinguiu, antes de tudo, foi o seu nacionalismo. É normal - e até natural - que os sociólogos em geral tratem da sociedade in- abstracto, como base de qualquer avanço. Gilberto Freyre analisava uma sociedade concreta, a brasileira, com base na sociedade escravagista que se desenvolvera no Nordeste do Brasil e, por expansão, no resto do país. Tudo era matéria para suas análises, o povo, a arquitetura, a comida, as pinturas e os retratos, os hábitos religiosos, a luxúria, os impulsos de revolta, as acomodações. Suas interpretações fixaram-se em realidades da sua, da nossa terra. Foi, por isso, leitura obrigatória em universidades tanto do Brasil como do estrangeiro, talvez mais lá fora do que "intra muros".


As pesquisas sobre civilização no mundo tropical nunca mais foram as mesmas depois de Gilberto. Abriu caminhos. Como era também um senhor escritor, dono de uma prosa luso-brasileira rara, tornou-se, com o tempo, o brasileiro por excelência.


Jardim da infância, primário e secundário, fê-los em ginásio protestante do Recife. Aos 18 anos, seguiu para os Estados Unidos, onde permaneceu cinco anos, com visitas esporádicas à Europa. Estudou nas universidades americanas de Baylor e Columbia, fez curso na Universidade inglesa de Oxford e na francesa Sorbonne. Sua tese na Columbia (1922, o mesmo ano da Semana de Arte Moderna no Brasil) foi "Social life in Brazil in the middle of the 19th century" ("A vida social no Brasil na metade do século XIX"), que marcou uma direção de sua obra. Regressou a Pernambuco em 1923, ali organizou o I Congresso Brasileiro de Regionalismo para, em 1933, publicar seu livro "Casa Grande & Senzala", hoje pedra mestra da cultura brasileira. Em inquéritos de todos os tipos, sobre quais os livros (os dez, os 50 ou os 100) mais importantes do Brasil, "Casa Grande & Senzala", "Os sertões", de Euclides da Cunha, e livros de Machado de Assis, têm ocupado os primeiros lugares.


A obra de Gilberto Freyre se diversifica, com "Sobrados e Mocambos", "Regoão e tradição", "Perfil de Euclides e outros perfis" e outra obra-prima, "Ordem e Progresso" (1959), escreveria romances - "Dona Sinhá e o filho do padre", "O outro amor do Dr. Paulo" - faria poemas - "Talvez poesia" e "Poesia reunida" - publicaria ensaios que estão entre os melhores que temos: "Oliveira Lima, Dom Quixote gordo", "Heróis e vilões no romance brasileiro", "Ingleses no Brasil".


Eleito deputado federal por Pernambuco, tomou posse na Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro em 1956. Um de seus projetos no setor da educação e da sociologia foi o da criação do "Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais", que se tornaria na mais ativa instituição cultural do Brasil nos últimos 50 anos.


Era Gilberto Freyre homem de trato amável, sempre disposto a ler - poemas, ensaios, ficção - de escitores jovens. Não gostava quando o "y" de seu sobrenome era trocado por "i". Grande amigo de Gilberto Amado, um brincava com o outro sobre quem se tornaria dono do prenome "Gilberto". Quando Amado lançou um de seus livros de memórias, assim autografou o exemplar que enviaria a Gilberto Freyre: "Ao Freyre - o abraço amigo do seu - Gilberto".


Como orientador do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, transformou-o num interlocutor permanente de instituições da Europa e das Américas. Sempre convidado para dar cursos e conferências nos grandes centros culturais de nosso tempo, jamais aceitou permanências muito prolongadas fora do Brasil. Concordava em fazer palestras curtas, na preocupação de não se afastar por muito tempo de sua terra, de seu meio, de sua gente. Sua casa de Apipucos era endereço conhecido mundialmente e ponto de encontro de professores e escritores.


Seu centenário e nascimento, comemorado no mesmo ano dos cinco séculos do Brasil, oferece oportunidade a que se faça uma ligação entre o país que ele amou e estudou e sua obra, inteiramente dedicada a pesquisas sobre desenvolvimento cultural desse país. Dentre as muitas celebrações marcadas para o Rio de Janeiro, destacar-se-á a da Academia Brasileira de Letras, que lhe dedicará um painel de conferências, num seminário que realce a importância da obra de Gilberto Freyre no conhecimento do Brasil.


 


Tribuna da Imprensa - Rio de Janeiro - RJ, 01/03/2000

Tribuna da Imprensa - Rio de Janeiro - RJ,, 01/03/2000