O ano de 2008 é rico em centenários, efemérides que devem ser comemoradas para valorizar os nossos mitos, o que infelizmente não é um hábito nacional. Parece que estamos reagindo, como ocorre com a lembrança dos 100 anos da morte de Machado de Assis e os 200 anos da vinda da família real para o Brasil.
Sob essa ótica, deve-se inserir o nome do cientista, escritor, médico e professor Josué de Castro na linha dos que merecem a homenagem do nosso reconhecimento. Ele faria 100 anos em 2008. Imortal autor da obra clássica “Geografia da Fome”, lastreada na experiência vivida nas zonas pobres do Recife, Josué tornou-se uma referência internacional, de que somos testemunhas. Na Universidade de Seul, em versão inglesa, lá está o seu livro. O mesmo ocorreu quando da nossa visita à biblioteca da Universidade de Estocolmo. Estava na boa companhia de livros de Jorge Amado e Celso Furtado.
As novas gerações certamente têm poucas lembranças do grande e consagrado médico nutricionista, que iniciou a sua vida profissional clinicando na capital pernambucana, alçou vôos mais altos, a partir da consagração dos seus livros, reconhecidos lá fora como libelo contra a pobreza do nordeste brasileiro. Foram várias as ocasiões em que o nome de Josué de Castro foi lembrado para o Prêmio Nobel da Paz, láurea que ainda não foi concedida a nenhum brasileiro. Talvez tenha sido, das nossas personalidades, a que tenha chegado mais perto – e com méritos indiscutíveis.
Tivemos a alegria do convívio familiar, no Rio, em Genebra (onde chegou a trabalhar) e em Paris (onde viveu um exílio muito sofrido). Cassado em 1964, por motivos ideológicos, jamais se conformou com a proibição de voltar à sua terra. Conversávamos por vezes, sobretudo no apartamento da rua Lord Byron, na capital francesa, e era comum demonstrar uma profunda tristeza com o distanciamento das suas raízes, que tanto amava. Sem cair no exagero, pode-se afirmar que esse fato apressou a sua morte.
Faz muito bem a filha Anna Maria de Castro, conceituada pesquisadora, de lutar pela memória do seu ilustre pai. No Manifesto “Resgate de uma Cidadania”, procura mostrar que a fome não era um problema natural, não dependia nem era resultado dos fatos da natureza, ao contrário, era fruto das ações dos homens, de suas opções, da condução econômica dada aos seus países.
Ao escrever o “Dilema brasileiro: pão ou aço”, Josué deixou nítido o seu repúdio à corrida armamentista, na época um ato de coragem, como a posição de combate ecológico, em tempos em que a expressão era uma autêntica novidade. Reparem no seguinte trecho da sua obra: “Há dois caminhos à nossa frente: o caminho do pão e o caminho da bomba. É preciso escolher rápido. Eu quero simbolizar pelo caminho do pão, o da justiça social, para dar pão a todas as pessoas do mundo, evocando o banquete da terra para os dois terços que estão à margem, que não recebem senão em alguns intervalos algumas migalhas da mesa dos ricos.”
Eleito e reeleito para a presidência da FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, Josué de Castro recebeu o Prêmio Internacional da Paz, além de outras homenagens. Merece todo o nosso respeito, além da saudade pelo que representou para a vida brasileira.
Jornal do Commercio (RJ) 11/4/2008