A memória da colonização brasileira, mantida em cada região através de livros, de monumentos, de festividades populares e de tradições religiosas, ajudou o País a preservar sua extensão geográfica e sua identidade nacional. A cada momento, nossa bibliografia no setor aumenta e vem revelar aspectos regionais em que essa realidade se afirma.
Nossos produtos participam também desse conjunto existencial que nos formou. A cana-de-açúcar, o cacau, a borracha, o café, ajudaram a firmar o País, cuja cultura se diversificou e, a partir da independência, iniciou o duro labor de erguer sua literatura própria. Antes disto, realizou-se o povoamento definitivo do Sul com a chegada dos açorianos, que ali se estabeleceram a partir de 1748, depois da criação da Capitania de Santa Catarina a 7 de março de 1739 por D. João V, Rei de Portugal. Os lugares começaram a surgir: Camboriú, Araguari, Itajaí, Laguna, Garopaba, Mirim, Tubarão, Araranguá.
O volume de ampla pesquisa e de análise do que foi o desenvolvimento da região, primeiro com os açorianos e, em seguida, com italianos, espanhóis, alemães, russos e japoneses, é de Lélia Pereira da Silva Nunes e tem o título de "Caminhos do Divino - olhar sobre a Festa do Divino em Santa Catarina". Todo um hinário religioso, ido de Portugal para os Açores e de lá para o Brasil, aparece no relato das festas, que é minucioso como deve ser todo trabalho sobre as tradições do povo, inclusive com os versos que são cantados durante os festejos. A festa é religiosa, mas é festa, com seu tom de carnaval, suas danças, sua alegria geral.
Os textos do desfile são ainda os que se cantavam nos Açores. Como estes: "Pelas casas a Bandeira/ Vai cantando com amor/ com as violas e a rebeca,/ a sanfona e o tambor./ Segue agora a Bandeira/ com a Corte Imperial/ com as bênçãos do Divino/ ao Salão Paroquial."
Em cada celebração do Divino Espírito Santo, é eleito, pela cidade, um Imperador e uma Imperatriz e várias Damas. A festa é realizada no Domingo de Pentecoste que é também o Dia do Espírito Santo.
O autor destas linhas conheceu o assunto por ter sido batizado num lugar chamado Espírito Santo do Piau, terra de minha mãe, a 60 quilômetros de Juiz de Fora, em Minas Gerais. A tradição portuguesa - via açorianos, chegou a Santa Catarina através dos açorianos que a haviam recebido diretamente de Portugal. Assim, podem as pesquisas que vêm sendo feitas em várias partes do Brasil chamar a atenção para muitos de nossos hábitos religiosos que se mantêm mais ou menos intactos depois que foram aqui adotados.
Além do Natal e do Ano Novo, datas universais, o Brasil mantém vivas as festas de Santo Antonio, São João, São Pedro, São Jorge, a do Senhor do Bonfim, a de Aparecida, a do Padre Cícero e a de Belém do Pará, entre muitas outras, com música, danças e roupas típicas.
A influência açoriana, principalmente no Sul do Brasil, nunca foi tão bem analisada, com detalhes, como neste estudo de Lélia Pereira da Silva Nunes. É com unção que às vezes um participante das festas em qualquer parte da região de origem açoriana em Santa Catarina menciona a expressão "Cultura ilhoa". Como na crônica de Aldírio Simões, em jornal catarinense, que depois de anunciar a festa do Divino Espírito Santo e de Nossa Senhora das Necessidades, fala na presença da Filarmônica da Ilha do Pico em Açores que pela primeira vez iria tocar em Santa Catarina. Escreveu então o jornalista: "Quem ainda mantém vivo na memória o sentimento da `cultura ilhoa' não pode perder esta festa".
"Caminhos do Divino - um olhar sobre a Festa do Espírito Santo em Santa Catarina", de Lélia Pereira da Silva Nunes, é um lançamento da Edição Insular, com ilustrações e fotos em cores. Apresentação de Maria Beatriz Rocha Trindade. Boa e vasta bibliografia sobre o assunto. Editor Nelson Rolim de Moura e planejamento gráfico de Carlos Alberto Serrão. Revisão de Sérgio Carderaro e arte de capa de Vera Sabino.
A folha de rosto do volume homenageia a data em que os açorianos chegaram a Santa Catarina: "1747-2007 - 260 anos da primeira partida dos casais açorianos para Santa Catarina a 21 de outubro de 1747 do Porto de Angra, Ilha Terceira".
Tribuna da Imprensa (RJ) 21/8/2007