O que há de comum entre membros de torcidas organizadas e intelectuais, artistas, políticos e juristas? É que eles, depois de um longo silêncio, acabam de se expressar, por meio de manifestos e na rua, em defesa da nossa ameaçada democracia. O fenômeno veio ilustrar o que as pesquisas de opinião já apontavam: a insatisfação com o governo. Ontem mesmo, quando um importante assessor de Bolsonaro era acusado de operar robôs, isto é, de espalhar notícias falsas, era publicado o levantamento do Ibope revelando que 90% dos brasileiros querem uma legislação contra as fake news.
Antes, o mesmo instituto mostrava que 70% dos consultados consideravam o governo atual como ruim, péssimo ou regular. O resultado deu origem ao movimento #Somos70porcento, que invadiu as redes sociais.
Dos manifestos, o “Basta”, de advogados e juristas, defende com ênfase as instituições democráticas e acusa o presidente de já ter cometido crimes de responsabilidade, o que, como se sabe, pode levar ao impeachment.
O mais amplo é o #Juntos, que já conta com mais de 200 mil assinaturas, e conseguiu o que parecia impossível nestes tempos de polarização e intolerância. Juntou os contrários num mesmo texto, colocando lado a lado direita, esquerda e centro. Apresenta-se assim, olha que beleza: “Com ideias e opiniões diferentes comungamos dos mesmos princípios éticos e democráticos. Queremos combater o ódio e a apatia com afeto, informação, união e esperança.” E termina: “Vamos juntos sonhar e fazer um Brasil que nos traga de volta a alegria e o orgulho de ser brasileiro.”
Esse despertar crítico da sociedade, que parecia indiferente à indiferença de um presidente que diz ir aonde o povo está e até agora, apesar da pandemia, não visitou um hospital, preferindo o “povo” do cercadinho em frente ao palácio, foi um presente que, otimista incorrigível, recebi pelos meus 89 anos feitos esta semana, parte dos quais vividos sob a ditadura tão sonhada pelo capitão. Aliás, ele já disse que sua única restrição é que ela torturou em vez de matar mais.