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A eficácia dos bons modos

 

Trump pode bater pé com seu “daqui não saio, daqui ninguém me tira”. Mas, com bons modos, o porta- voz de Biden deixou claro: “O governo dos Estados Unidos é perfeitamente capaz de escoltar invasores para fora da Casa Branca”.

Por sua vez, em mais um rompante de maus modos, Bolsonaro ameaçou ir além da saliva e responder a Joe Biden com pólvora. Diante das câmeras, apelou para a aprovação do chanceler: “Apenas a diplomacia não dá, né, Ernesto?”. O mundo todo riu da bravata vexaminosa.

Em seguida, tivemos uma lição diplomática. Num evento público, Raul Jungmann fez uma pergunta pertinente e oportuna. Com bons modos e a autoridade moral de quem já ocupou o Ministério da Defesa. Obteve do comandante do Exército uma resposta educada, absolutamente fundamental nesta hora. Tranquilizadora e de uma clareza cristalina, reiterando que as Forças Armadas são uma instituição do Estado, não do governo. Não têm partido. Firme e quase desenhando, Pujol frisou que os militares não querem fazer parte da política nem querem que ela entre nos quartéis. E que não convém misturar as coisas.

Palavras firmes e claras são poderosas, fecundas e se irradiam. A resposta de Pujol teve consequências. Permitiu que a mídia obtivesse do vice-presidente Mourão a reiteração dessa posição democrática: a politização dos militares atrapalha a hierarquia e a disciplina nos quartéis. Essa repercussão obrigou Bolsonaro a reconhecer seus limites constitucionais —até mesmo tentando puxar a brasa democrática para sua sardinha retórica, ao lembrar que Pujol foi uma escolha pessoal sua.

E as coisas não ficaram por aí. O episódio provocou no dia seguinte uma manifestação oficial conjunta, em que o ministro da Defesa e os comandantes supremos das Três Armas confirmaram essa premissa democrática indiscutível. Para quem ainda não tivesse entendido.

Os bons modos de Jungmann foram um passe de craque. Sua eficácia deixou os militares de cara para o gol democrático. Sem precisar de pólvora.

O Globo, 23/11/2020