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E o futuro?

 

Quando as eleições estão a 75 dias, falar do futuro parece ingenuidade. Todos pedem que se fale sobre o presente. Mas o presente, diz Eliot, é uma soma do passado e do futuro.


 


Caí numa roda de especuladores sobre o que será o Brasil em 2050. E surgiu aquela pergunta irrespondível que sempre é invocada pelos pessimistas: “Em que momento o Brasil perdeu seu rumo?” Ora, se é difícil especular sobre o futuro, pior ainda sobre um futuro passado.


 


Mas nada melhor para botar a cachola a funcionar do que essa coisa bem atual dos cenários. Essa idéia, que era da estratégia militar, virou regra de negócios e se quer aplicar à política. Num desses cenários criaram o termo BRIC, pelo qual Brasil, Rússia, Índia e China são as grandes oportunidades de investimento, já que estarão entre as forças dominantes em 2050. Mas China e Índia, com populações bilionárias, têm um crescimento muito mais rápido do que o de Brasil e Rússia: a China acaba de anunciar um crescimento anual de 11,3%.


 


Em vez de dizer o que vai ser o futuro, acho melhor pensarmos como não devia ser o presente.


 


Na política ninguém pode aceitar que não haja mudança. O que caracterizou a legislatura que se finda foi a corrupção e, para piorar, o número de participantes. Alguma coisa deve estar errada e vai além das pessoas. Por que tantos chafurdaram no valerioduto? Por que tanta gente meteu-se com as ambulâncias? Com os bingos? Com o Correio? Faliu a decência?


 


Para mim está claro que o sistema do voto proporcional uninominal acaba com a legitimidade partidária, com a fidelidade, com os valores morais da política. O que todos buscam, num monstruoso individualismo é eleger-se. Camus perguntava: “Se os fins justificam os meios, o que justifica os fins?” É dinheiro para alimentar, manter as chamadas bases. A forma mais fácil é a vulnerabilidade da execução do Orçamento da República às fraudes. Ela é dominada por uma parcela de parlamentares e quadros do executivo que no passado criaram o escândalo dos anões e no presente o dos sanguessugas.


 


O orçamento impositivo, que o Senado votou em primeiro turno na semana passada, é um passo fundamental. Ele é um avanço que, pelo menos, moraliza a execução fiscal. Atualmente (já escrevi) a peça orçamentária é pura ficção.


 


Restam a implantação do voto distrital misto e a reforma da Constituição, que já provou ser imprestável para assegurar o desenvolvimento do país, ressalvados os capítulos da liberdade individual e dos direitos sociais.


 


São restos do passado que precisamos consertar para o futuro.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 21/07/2006