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E no quinto ano Ele descansa

 

Fico meio desconfiado - pra que negar -, mas a verdade é que tenho sentido, nas últimas semanas, que há um novo alento em muitas áreas. Não entendo nada de indicadores econômicos, nem sequer domino economês elementar, mas parece que esqueceram aquela conversa de crescimento baixo ou falta de infra-estrutura ou criminalidade desenfreada e está todo mundo satisfeito, ou quase todo mundo. Balança de pagamentos favorável, reservas em alta, exportações também, montadoras de automóveis sem conseguir atender à demanda, uma coisa maravilhosa mesmo. A imprensa, como sempre, inclusive eu, procura ver defeitos aqui e ali, mas manda a boa consciência reconhecer que ultimamente emanam vapores perfumados de alguns comentários de jornais e se abrandam diversos dos muitos que antes vociferavam.


Não sou exceção. Acho que nem nunca vociferei nem sairá cheiro de sândalo desta coluna, mas tenho falado bastante mal do governo e da situação em que estamos e agora sou obrigado a reconhecer que as coisas parecem melhores. Começou com a troca de critérios estatísticos, de forma que não mudou a realidade nem para pior nem para melhor, mas agora a vemos como tendo melhorado, ali o preto no branco, tintim por tintim. E, permito-me dizer, acho que o presidente finalmente conseguiu armar o esquema que tencionava desde o início e doravante poderá curtir à vontade o "ápice que o ser humano pode pretender", ou seja, a presidência de nossa república, sem algumas das chateações que o atrapalharam na primeira fase, ou mesmo sem nenhuma delas.


Conseguiu, por exemplo, que alguém que faça o serviço chato por ele - e qualquer serviço é chato para quem nunca trabalhou. Desde o tempo do dr. Dirceu, o esquema era para funcionar assim, mas houve aquelas degringoladas lamentáveis e, não fosse o fato de o presidente ser inexperiente, ingênuo, confiante e distraído, não tendo, por conseguinte, sabido de nada, a crise podia tê-lo atingido, mas isso não aconteceu. Ele, entretanto, teve de trabalhar demais, falar demais, meter-se demais na administração pública e na política, um sufoco mesmo.


Agora não. Agora parece que d. Dilma não se incomoda em administrar e seguir aquela rotina de prisão num gabinete, com a insuportável sensação de se estar trabalhando. Os problemas estrangeiros que não envolvam visitas, brindes ou improvisos ficam ao cargo de dr. Marco Aurélio Garcia, que, pelo menos a mim, dá a impressão de que se considera um pouco, mas apenas um pouco, mais importante para o pensamento ocidental contemporâneo do que Sartre e sabe falar difícil, emoldurado pelo enfaro que a ignorância alheia enseja no sábio à mínima provocação. Que mais? Sim, o dr. Tarso Genro explica qualquer coisa do ponto de vista necessário para a ocasião, pois sugere seu semblante que sabe tudo do jeito certo para a hora indicada, o que varia bastante e requer vastíssima cultura e sensibilidade. Para não falar que vêm aí o dr. Mangabeira Unger e seu intérprete, ou seja, futuro é risonho e fala inglês.


Portanto, a barra aliviou bastante para o lado do presidente. Quem diria - ele queria agora ver a cara de uns certos sujeitos que o subestimaram nos velhos tempos, todos uns otários que não estavam sabendo de nada - ele ali, de roupão de linho egípcio e só precisando apertar um botão para pintar o que quiser. Me fiz ou não me fiz? - podia perguntar nas rodas que freqüentou, e ninguém ia dizer que não, pois ele se fez e se fez sem respeitar as regras comuns, para gente comum. É a prova viva de que o gênio do maior governante que este país já viu desde Maurício de Noronha não precisou nem de escola nem de trabalho para se arrumar na vida, é só uma questão de talento.


Talento que agora merece ser recompensado. Em primeiro lugar, fica recompensado o país, porque, quando ele não se mete, parece que a situação melhora logo. Demorou, demorou, ele montou o Ministério, armou a bancada dando empregos com a categoria de um Didi distribuindo a bola no meio do campo e soltou o país. Já está aí tudo mastigadinho, para ser feito. O esquema econômico está armado e nem ele nem o pessoal dele teve de montá-lo, já encontrou aí tudo acertado, com os bancos ganhando dinheiro e nós, o povo, sendo atochados pelo Estado (o governo), que surrupia meio ano do que ganhamos trabalhando. A economia nacional vai bem e até o dólar, que vem desgostando os exportadores, deu uma subidinha nos últimos dias.


Então fazer mais o quê? Vamos e venhamos, vamos deixar, como se diz em inglês, de "partipri" e de preconceito e vamos olhar o panorama com objetividade. Existe alguma coisa mais para fazer? Não existe e o PAC está aí mesmo, é só espiar no papel e ir fazendo, depois de falar com d. Dilma. As reformas todo mundo viu que não é moleza fazer e vai ficar mais fácil para quem vier depois, por enquanto não está dando. E, se precisar de lei, d. Dilma manda fazer uma medida provisória, ele assina e fica tudo legislado, também é mole, nisso ele tem que dar a mão à palmatória ao dr. Luiz Henrique, cujo recorde de MPs ele já bateu há muito tempo - e te segura, Romário.


Resta a corrupção. Mas aí também é querer demais. Ele já deixou claro que isso não é com ele, até porque ainda está para nascer neste país o homem que possa vir a discutir ética com ele. Vão resolvendo aí seu alopramento, Mateus quem pariu os teus etc. Agora, não, companheiro, agora não será ele que vai encarar os amigos de antigamente e ter de responder que chegou lá, mas não aproveitou nada. Como não aproveitou? Quem é aí que chama o avião para ir assistir ao jogo do Brasil em Wembley? Algum de vocês, otários? Quem é de vocês aí que não sabe o que é entrar em fila ou passar em alfândega? Ora, ora, me deixem. Podem crer que para o Inácio isso ainda é o prefácio.


O Globo (RJ) 10/6/2007