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Drummond e o futebol

 

Quero recordar alguns episódios dos tempos de cronista do Drummond, vascaíno doente e mais doente ainda torcedor do Atlético Mineiro. Ele acompanhava com grande interesse a seleção brasileira de todas as Copas disputadas a partir de 1958?

Foi uma pena o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade não ter desejado entrar para a Academia Brasileira de Letras. Dizia que não tinha jeito para pedir votos. Comigo chegou a encrencar, uma vez, porque não votei num amigo dele para ganhar o Prêmio Golfinho de Ouro. Eu não sabia deste seu empenho.

Contei essa história no programa 'Globo Esportes', enquanto o ex-craque Júnior falava de outras coisas, ligadas ao livro 'Quando é dia de futebol', com as crônicas do Correio da Manhã e do Jornal do Brasil, escritas pelo grande poeta. Edição da Companhia das Letras.

Aliás, quero recordar alguns episódios dos tempos de cronista do Drummond, vascaíno doente e mais doente ainda torcedor do Atlético Mineiro. Ele acompanhava com grande interesse a seleção brasileira de todas as Copas disputadas a partir de 1958, quando vencemos na Suécia. Fã incondicional do Pelé, sempre elogiou a cuca do Zagallo, meu amigo dos tempos do América F.C., na rua Campos Sales.

Em 'Poesia errante', ele disse que futebol se joga na alma. E que espiávamos por uma frincha, rosa aberta ao pé de Garrincha, pois 'a beleza é graça divina'. Para cada jogador, uma frase sensível e inteligente.

O lexicólogo Evanildo Bechara me pediu o livro do Drummond, em que colho mais essa frase: 'O futebol trouxe ao proletário urbano e rural a chave do autoconhecimento, habilitando-o a uma ascensão a que o simples trabalho não dera ensejo.' É claro que vou ceder essa preciosidade ao amigo de longa data.

Mais adiante, Drummond fala de Garrincha e de João Havelange. E diz essa verdade: 'Somos campeões do mundo, mas isso não nos deve torturar mais do que, por exemplo, as misérias do subdesenvolvimento. O campeão não é campeão 24 horas por dia.'

Ele faz da seleção campeã do mundo um verdadeiro ministério: 'Um velhinho sabido como Nilton Santos fica certo na Justiça, para distribuí-la ou negá-la como de mister, impor respeito e conduzir o jogo político.' Disse ele que quando era garoto adorava futebol de botão: 'Um dia, acabei com os botões do quarto de costura de mamãe, e não havia outros em casa.'

E assim segue Drummond nas suas incríveis reminiscências.

Chumbo Gordo, 14/12/2022