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A dona de si mesma

 

Quando o nazismo caiu e Hitler se suicidou, Estados Unidos, Inglaterra, França e Rússia esfacelaram a Alemanha. Dividiram-na em protetorados. Não era mais nação. Ou país. Era escombro. Quem assumiu a tarefa de sua reconstrução, de seu autônomo retorno como país à comunidade da Europa e até viabilizou o proibido e impensável rearmamento militar foi um novo líder eleito. Em 1949, assumiu o democrático chanceler Konrad Adenauer. Teve sucesso. Mas como?

Henry Kissinger estudou seis tipos de estratégias do poder. A estratégia da vontade, de De Gaulle. A do equilíbrio, de Richard Nixon. A da transcendência, de Anwar Al Sadat. A da excelência, de Lee Kuan Yew. A da convicção, de Margaret Thatcher. Já Adenauer escolheu a estratégia da humildade. Rosa Weber também.

Exerceu-a plenamente na presidência do Supremo Tribunal Federal. Agora, na saída, a leva consigo. Vitoriosa em seus objetivos.

No início, foi quase menosprezada. Era apenas um nome que veio do Sul, sugerido pelo ex-marido da presidente Dilma Rousseff (PT), que a apoiou e indicou. Tem parentes que vêm para o bem.

Provou o contrário. E mais: que tinha caráter. Com humildade e tranquilidade, respondeu. Foi aprovada.

Mais tarde, no julgamento do mensalão, um ministro lhe aparteou: "Não estou convencido". Rosa Weber então, com um sorriso desconcertante, apenas disse: "Eu não quero convencer vossa excelência, eu é que estou convicta". E assim revelou sua concepção do que é ser membro do Supremo. Seu ethos. Sua independência. Ser a dona de si mesma.

Nestes anos, ninguém viu Rosa Weber fazer acordos. Combinar votos. Buscar maiorias. Mudar argumentos para parecer vencedora. Negociar. Foi apenas ela e somente ela. A dona de si mesma.

Não disputou espaços internos. O que lhe importou foi seu gabinete e sua consciência.

Não buscou outros poderes. Nem votou por eles ou contra eles. Não frequentou palácios. Não deu entrevistas. Não falou fora dos autos. Não fez parte de irmandades políticas ou doutrinárias. Não tem ambições financeiras.

Não foi terrivelmente evangélica, nem terrivelmente irreligiosa. Quando teve que divergir, divergiu. Não pretendia ser o centrão do Supremo. Não foi como "la donna" na ópera Rigoletto: "móvel como pluma ao vento".

A estratégia da humildade percebeu que o individualismo reina na corte. Não ameaçou vaidades e planos pessoais. Buscou o colegiado, o institucional.

E assim foi sendo; e foi liderando.

A independência constitucional da Suprema Corte começa na independência pessoal de cada ministro. Na transparência e evidência das ambiguidades.

Enfrentou duas patologias internas: o monocratismo e o abuso dos pedidos de vista de alguns ministros. Ambas levaram o Supremo a paradoxos. Em vez do devido processo legal, a imprevisibilidade decisória permeou muitas vezes. Em vez da estabilidade social e econômica, a incerteza jurídica se espraiou.

A sociedade se deu conta disso desde 2014, pelo projeto "Supremo em Números". A opinião pública e a mídia vocalizaram. Professores e acadêmicos confirmaram. Advogados e políticos também. Passaram-se anos para começar a serem enfrentadas. Passaram-se oito anos para começar a serem enfrentadas.

Rosa Weber, com paciência, liderou novas regras. Uniu um Supremo dividido em reforma regimental difícil. Não como gostaria, mas avançou.

No 8 de janeiro, constrangida, mas sem constrangimentos, foi muro protetor moral. Defendeu o Supremo do ataque insano. Dona de si própria, foi a necessária dona de todos os seus colegas.

A estratégia da humildade deu o melhor resultado. Amadureceu o Supremo. Sem ativismos. O silêncio, às vezes urgente, é voz poderosa.

Cabe agora a Luís Roberto Barroso e Edson Fachin continuarem seu legado. O que não é pouco.

Mesmo porque, como diz o famoso poema de Gertrud Stein, "uma rosa é uma rosa é uma rosa".

 

Folha de São Paulo, 16/09/2023