Nosso leitor A. Costa estranhou termos escrito, na coluna do dia 20 de fevereiro último, “Temos recebido perguntas sobre porque os gramáticos[...]“, quando ele esperaria “porque os gramáticos [...]“. E termina indagando quando se deve usar ‘por quê?’, ‘por que’, ‘porque’ e ‘porquê’.
A indagação do nosso leitor traz à baila uma questão que poderia ter sido tratada no nosso Acordo de 1990, livrando os brasileiros de mais extravagantes modos de grafar ‘porque’ interrogativo, aparecidos ou tornados oficiais com a reforma ortográfica de 1943, modos que contrariavam a prática tradicional em língua portuguesa. Apesar de o Acordo de 1943 resultar de uma convenção assinada pelo Brasil e por Portugal, os portugueses continuaram a escrever o advérbio interrogativo como sempre se usou , isto é, numa só palavra, exatamente como fazem os franceses com ‘pourquoi’, e os italianos com ‘perché’.
Como o Acordo de 1990 não tratou deste pormenor, tudo leva a indicar que, neste particular, o propósito da unificação não chegou infelizmente à grafia do interrogativo ‘porque’, facilitando a prática ortográfica dos brasileiros e permitindo-lhes retornar à boa tradição da língua escrita.
Depois deste comentário inicial, passemos à pergunta do nosso leitor. Usa-se ‘por que’ em duas palavras: a)Quando se trata de advérbio interrogativo em oração interrogativa direta (quando termina por ponto de interrogação)ou indireta, valendo por ‘por que razão’, ‘por que causa’ :“Por que ele não veio ontem?” “Quero saber por que ele não veio ontem.” Esta é a razão que nos levou a escrever no artigo de 20 de fevereiro atrás citado:“Temos recebido perguntas sobre por que os gramáticos condenam construções [...].” Este advérbio aparece em títulos de livros ou artigos: “Por que me ufano do meu país” (livro escrito por Afonso Celso); “Por que estudar gramática.” b)Quando se trata da preposição ‘por’ + pronome relativo, valendo por ‘pelo qual’, ‘pela qual’, ‘pelos quais’, ‘pelas quais’:“O caminho por que (=pelo qual) andas é perigoso.” “A razão por que (= pela qual) ele veio é desconhecida.” “As palavras por que (= pelas quais) perguntam não estão dicionarizadas.” c) Quando se trata da preposição por+pronome indefinido adjetivo (isto é, seguido de substantivo), valendo por “por que espécie”,“por qual”, “por quanto”:"Por que razão foste capaz de mentir?” “Por que dinheiros Jesus foi vendido?” “Bem sabes por que motivos não compareci.” d) Quando se trata da preposição por + conjunção integrante: “Anseio por que venhas à nossa festa."
Escreveremos ‘por quê’ em duas palavras e com acento circunflexo quando o ‘por que' separado estiver em posição de palavra tônica, isto é, no caso de advérbio interrogativo, em último lugar da oração interrogativa direta, ou seguido de pausa, ou sozinho:“Ele não veio por quê?” “Diga-me por quê?" “Se não sabes por quê, deves repetir a lição”. “Não vens por quê? Por quê?”
Escrevemos 'porque' numa só palavra:a)Quando se tratar de conjunção causal ou explicativa:"Não pude sair porque chovia muito." "Não demore porque temos pouco tempo." b)Quando se tratar de conjunção final, seguido de subjuntivo, valendo por 'para que', 'a fim de que', conjunção hoje raramente empregada:"Trabalhou porque proporcionasse à família mais conforto."
Escreveremos ‘porquê’, numa só palavra e com acento circunflexo, quando se tratar de substantivo, sinônimo de 'razão', 'motivo', e, neste caso, vem sempre precedido de modificador como o artigo e admite plural: “Ainda não entendemos o porquê da discussão." “São vários os porquês que justificam sua decisão.”
O Dia (RJ), 8/5/2011