Falei outro dia de como tive um livro raro, "Bastiões da Nacionalidade", de 1923, pelo dândi, historiador e criminalista Elysio de Carvalho, devorado por uma colônia de cupins. Buscando repô-lo, procurei-o em sebos, antiquários e colecionadores. Encontrei-o num leilão, ao custo inicial de R$ 10 e dei o lance, certo de que, como Elysio deixou de ser um best-seller há 100 anos, eu o arremataria pelos mesmos R$ 10 ou pouco mais.
Mas sou um cliente relapso de leilões. Dou os lances pela internet, não sigo o leilão e, quando me mandam o relatório com os lotes arrematados, nem sempre tenho tempo de conferi-los. Daí que dei o lance errado e, em vez do livro que esperava, recebi pelo correio um lote de número parecido e vários zeros a mais de valor —um jogo de 48 pratos fabricados em Oklahoma, com filetes dourados e policromados com a estampa da Betty Boop.
Sou fã de Betty Boop, minivamp dos desenhos animados americanos dos anos 1930 numa Hollywood ainda incrivelmente livre. Quando a censura se instalou, em 1934, cessou toda malícia na tela. Os beijos teriam de se limitar a um roçar de lábios, os casais mesmo casados seriam obrigados a dormir em camas separadas e foi o fim da boneca de olhos lânguidos, decotes reveladores e coxinhas saindo da sainha curta. Sempre tive pena dela, mas o que vou fazer com 48 pratos de Betty Boop?
Não era a primeira vez que isso me acontecia. Há anos, pensando ter dado um lance num conjunto de exemplares do gibi O Globo Juvenil, com quadrinhos da 2ª Guerra, recebi um porta-garfos da China Nacionalista de 1947, com 118 minigarfos rendilhados de aplicações em relevo com o rosto da mulher do ditador Chiang Kai-shek.
Como, por acaso, eu estivesse precisando de garfos, não desfiz o equívoco. Valeu, porque, num leilão seguinte, comprei quase que os mesmos gibis, conservei o porta-garfos e, por anos, espetei muitas azeitonas com eles. Até que foram sumindo um a um e um dia desapareceram de vez, como, aliás, a própria Madame Chiang Kai-shek.