Não há mais diagnósticos a fazer nem cabe especular sobre as causas, concausas ou delírios. O Brasil tem uns nós a resolver e pedras, não no meio do caminho, mas obstruindo o caminho. Afastemos os julgamentos pessoais. Vamos dar uma pausa no hábito nacional de jogar pedras. Para abreviar o julgamento vamos generalizar, mesmo com o risco de estar errados: somos todos responsáveis.
A verdade é que o nosso modelo, que vem dos primórdios do século 20, é de concentração de renda, de sublimação dos extremos de riqueza e pobreza que se exerce sobre pessoas, famílias e território. Nele as regiões pobres e esquecidas do país serviram de abastecedoras de matéria-prima barata, mão-de-obra pior ainda, para criar bolsões de concentração de riqueza em determinadas áreas do Sudeste, que terminaram na tragédia de quase da metade da população nacional viver em favelas, mergulhadas na miséria, na periferia das grandes capitais.
O presidente Lula é uma revolução política, porque concluiu o processo democrático de trazer a governar os operários, a classe que se julgava afastada e para sempre condenada a coadjuvante. Sua biografia e o apoio popular que respaldam sua última eleição lhe dão a autoridade, que nenhum outro presidente teve, de procurar um terreno comum que possa reunir não somente as forças políticas, mas todos os segmentos da sociedade para superarmos os entraves que estão aí, atravessando todos os governos e todas as vontades.
O primeiro deles, a modernização política. Não se pode ver o contraste da máquina eletrônica apurar a eleição em três horas e convivermos com práticas da República Velha e mecanismos que remontam ao século 19.
Não se pode continuar com a situação de penúria do Nordeste e sem nenhuma perspectiva para a Amazônia, mergulhada na sua solidão histórica.
Os obstáculos de um corporativismo obstrutivo e uma burocracia arcaica e bolorenta. Temos de enfrentar o problema de distribuição de renda e de estrangulamento pela especulação financeira. Temos de crescer e para crescer temos de ter energia, indústrias de base e descentralização de riqueza.
O presidente Lula inverteu as setas. Não se fixou na prioridade econômica e foi fundo nos programas sociais. São um colchão para evitar a explosão. Mas é preciso avançar muito mais. Ter a coragem de desatar os nós. Libertar-se das peias ideológicas de alguns, punir os que o traíram, traindo o seu governo, e fazer um chamamento para que se faça uma cruzada nacional acima de tudo e de todos, e erigir como sua protetora no segundo mandato Nossa Senhora Desatadora dos Nós.
Jornal do Brasil (RJ) 3/11/2006