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De repente, no Algonquin

 

O motorista do Reader’s Digest me esperava no aeroporto Kennedy, em Nova York, para me levar ao hotel. Uma hora depois, na rua 44W, vi passar pela janela do carro a fachada do lendário Algonquin Hotel. Exclamei para mim mesmo: "O Algonquin!". O motorista parou e, sem me ouvir, informou: "É aqui, senhor." O quê?! Duvidei. Mas era isso mesmo. Como eles adivinharam que eu sempre sonhara me hospedar nele? Aos 25 anos, já fora duas vezes a Nova York, mas, duro, tinha de me contentar com o humilde Earl, no Village, com seus simpáticos camundongos.

Um envelope me esperava na recepção, com instruções para os 40 dias que eu passaria ali enquanto fazia um estágio na Redação do Digest. E assim foi. Naqueles 40 dias, dormi e acordei no hotel em que, nos anos 1920, Dorothy Parker, Robert Benchley e George S. Kaufman estrelaram uma fabulosa roda literária: a Mesa Redonda. Claro que, em 1974, já estavam todos mortos. Mas o Algonquin era o mesmo.

Ainda se podia fumar nos quartos. O café, anexo à tabacaria, recendia aos mais de 50 anos de uísque dos jornalistas, atores, poetas, cartunistas e até boxeurs que faziam dele seu escritório. Ainda era possível almoçar a duas mesas de William Shawn, o já eterno editor da The New Yorker, revista que era quase um puxadinho do hotel. Aliás, o Algonquin era decorado com os cartuns de James Thurber, Peter Arno e Charles Addams —os originais!—, emoldurados e pendurados nos corredores.

Dali a um mês e pouco, fiz o check-out e vim-me embora. Ao abrir a mala em casa, descobri, entre as meias e cuecas, um cinzeiro do Algonquin. Juro que não sei como foi parar lá. O cinzeiro já não uso, porque parei de fumar há muito. Mas o envelope que me esperava na recepção caiu de um livro outro dia. Olhei a data: 29 de janeiro de 1974. Cinquenta anos e quebrados!

Às vezes eu próprio me pergunto se certas coisas aconteceram mesmo.

Folha de São Paulo, 15/05/2024