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De recesso e de porquinhos de olhos verdes

 

O Congresso , numa operação relâmpago, derrubou o recesso de 90 dias e acabou com a ajuda de custo para as convocações extraordinárias, existente desde 1892.


O fim da ajuda de custo era necessário. Quando ela foi instituída, o recesso parlamentar era de quatro meses, passados nos Estados. Se fossem convocados, tinham despesas extras de longas viagens de navio e tudo mais. Agora, na época dos aviões, com deputados e senadores recebendo passagens, a ajuda de custo perdeu justificativa.


Quanto ao recesso parlamentar, é outra a história. A atividade parlamentar se exerce não só no Congresso Nacional mas também no trabalho constante com as bases eleitorais e no contato permanente com a sociedade, cada vez mais exigente na discussão e análise dos assuntos da pauta política, tão diversificada e controversa. E esse contato é essencial também para que o parlamentar conheça de perto as necessidades do povo e do Estado que representa.


Não devemos confundir recesso com férias nem comparar a atividade política com serviço público ou empresa privada. Na vida pública não há espaço para férias. Nos países saxônios há um costume de tirá-las, talvez necessárias nos longos invernos.


A imprensa, estranhando a grande pressa com que a matéria foi votada, começou a fazer uma indagação: a pressa do Congresso fora motivada pela opinião pública ou por pressão da mídia? As duas hipóteses são a mesma coisa. A justificação da imprensa, gozando dos direitos de liberdade que lhe são assegurados, foi idealizada por Jefferson ao sentir a necessidade de um contraponto à inviolabilidade de palavra dos parlamentares para assegurar ao povo uma tribuna livre para questionar os governos, exercer - como se diz hoje - um controle externo sobre os Poderes do Estado.


A imprensa jeffersoniana era um prelo de madeira que imprimia um pequeno jornal de um quarto de página. Hoje, a mídia, em sua globalidade, é o terceiro negócio do mundo, dispondo de instrumentos tecnológicos capazes de divulgar os fatos em tempo real. Assim, a opinião do povo se exerce pelos meios de comunicação, que ou expressam essa opinião ou formam a opinião. Dizia Joaquim Nabuco - e isso há cem anos - que ninguém tinha condições de se contrapor a uma contrária onda avassaladora. Hoje, então, nem falar.


O mundo mudou e temos que conviver com a nova força da imprensa, da sociedade civil organizada e da opinião pública apoiada num instrumental de comunicação incontrastável.


Mas não nos esqueçamos de que graças a esses avanços é que sabemos, encantados, que, na Coréia, alguns cientistas fizeram uns porquinhos fosforescentes e de olhos verdes. E também que o promotor Eron Santana, de Salvador, pediu um habeas corpus para Suíça, um chimpanzé fêmea, para que ela fosse libertada do zoológico. A argumentação foi muito consistente e científica: macaco tem raciocínio e, portanto, direito de ir e vir.


E, no meio de todo esse mundo caindo sobre sua cabeça, ainda pensa o Congresso em ter recesso e receber uns trocados. Nem pensar.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 20/1/2006