Jornalisticamente, creio que o assunto que vou abordar está velhíssimo. Qualquer coisa hoje em dia fica velha em questão de horas, ou mesmo minutos, especialmente notícias e as breves discussões que elas motivam, logo antes de serem substituídas pela novidade mais recente. E o de que vou tratar já tem ou vai fazer umas duas semanas, o que, para um editor de notícias, é sítio arqueológico. Contudo, há aspectos que não ficaram velhos e mal foram examinados, quando se noticiou o fato. Falei até com alguns dos amigos da mídia (por sinal, com a maior dificuldade em encontrá-los; essa conspiração da mídia está uma bagunça, ninguém sabe o número do telefone de ninguém, ninguém me passa tarefas, não fazem reuniões e nem sequer elaboraram um manualzinho elementar de golpismo, é uma zona), com o objetivo de escandalizá-los como eu havia me escandalizado, mas a maior parte deles me ouviu com a amável condescendência que se reserva aos que sempre estão por fora, embora não sejam de todo tapados.
Não posso questionar o julgamento desses meus colegas. Eles sempre agem assim, quando me dirijo a eles com vontade de trocar idéias. Como trocá-las, se não as tenho? É difícil descrever, mas a impaciência deles, contida sob um véu afetivo, chega a ser comovente. Engraçado que eu costumo acertar nos meus palpites, mas eles nunca se lembram disso, talvez porque meus palpites não sejam formulados na linguagem adequada a tarefa por eles tornada tão mais nobre, de tal sorte que não é incomum que algo que eu tenha previsto aqui e que fez todos eles morrerem de rir durante semanas aconteça mesmo. Quando eu disse que Bush ia invadir o Iraque, um deles, dos que mais respeito, me respondeu com um e-mail mostrando que isso não aconteceria. Eu quase podia ouvir as risadinhas do outro lado. Aconteceu, é claro, e ele foi dos melhores analistas do assunto, de repente manjava tudo como eu nunca manjaria. Outro, comiserado, deplora minha repetição da ''''oposição de direita'''', o que me confunde um pouco por não saber quem é de esquerda no governo.
E por aí vai, mas, nós, abestalhados da mídia, não desistimos. Por exemplo, agora eu vou dizer que esse ministro Ricardo Lewandowski, que andou fazendo comentários sobre o comportamento da instituição que integra, o Supremo Tribunal Federal, devia ser objeto de um processo de impeachment e, se fosse, por exemplo, nos Estados Unidos, alguém já teria tomado a iniciativa. Esse ministro, de acordo com o que saiu nos jornais, disse que o Supremo decidiu ''''com a corda no pescoço'''', no caso do mensalão. Se um ministro diz isso, ele não só agride grosseiramente a confiabilidade, a seriedade e a integridade da instituição, como aponta um vício gravíssimo na decisão, pois não pode ser válido o ato judicial efetuado sob qualquer espécie de coação.
Aí ele emendou, a meu ver indecorosa, irresponsável, inconseqüente e constrangedoramente: não se referia aos outros ministros do Supremo, mas apenas a si mesmo. Então - e faço apenas inferências que julgo cabíveis, não afirmações - são viciados os votos dele, pelas mesmas razões. Devia ter ele alegado suspeição no caso, ou em alguns pontos do caso. E, agora, depois de reconhecer uma fraqueza que nenhum juiz pode permitir-se, muito especialmente um juiz do Supremo, o correto seria que renunciasse. Se um juiz não resiste a facas no pescoço e pressões da ''''tirania da mídia'''', então empacote sua matalotagem e vá embora da instituição que difamou como um tribunal que, longe de inatacável e sagrado como deve ser, emite decisões por tibieza. Num país sério, impeachment nele, porque o magistrado que vota por frouxidão é talvez só um pouco menos censurável que o que vota por dinheiro.
Devo ainda mencionar o que todo advogado sabe e ouve repetido desde a faculdade: juiz só fala nos autos. E isso é universalmente visto como indispensável para a lisura e correção dos processos. Aqui, não. Aqui está ficando cada vez mais comum juiz sair fazendo comentariozinhos sobre matérias sob sua alçada, poses para a imprensa e frasezinhas espertas. Isso é indecente, desgracioso e aviltante para a Justiça, gera uma intimidade ou proximidade indesejável, propicia manobras escusas e, enfim, a tradição manda que juiz só fale nos autos porque juiz que é juiz mesmo só fala nos autos e apenas a porção Fantástico que alguns porventura possuam é que explica essa garrulice quase trêfega. Num país sério, impeachment ou outras sanções.
O ministro Lewandowski não deu entrevista, mas contribuiu para determinadas teses, tais como o muito espalhado conceito de ''''tirania da mídia'''', apreciadíssimo pelo dr. Dirceu e por vastos outros setores de fala democrática e catadura totalitária. A mídia agora também manda no Supremo, a mídia é onipotente. Vamos falar sério. Onde é que a mídia está mandando? Parte da mídia está é reclamando de um governo ou de governantes, como é direito e dever dela. Mas agora, aparentemente, um ministro do Supremo é a favor de que a mídia seja ''''regulada'''', ou seja, amordaçada, para que os governantes continuem a fazer o que quiserem e, mesmo que achemos isso completamente errado, devemos calar-nos, para não fazermos companhia à famigerada direita (a qual, por sinal, me parece refestelada no trono presidencial, ou, mais precisamente, numa poltrona do Aero-Lula). Em país decente, impeachment nele.
Ora, vão se catar com esse papo ridículo de tirania da mídia. Parem de pensar que todo mundo é burro. Nos respeitem. Calem a boca, para não nos envergonhar. E se respeitem também, é claro. E, quanto ao ministro Lewandowski, longe de mim querer vê-lo desempregado. Depois de informações de cocheira, como ''''a tendência era amaciar para o Dirceu'''', uma TV pode contratá-lo para comentarista do Judiciário. Se estudar, vai ver que será um sucesso.
O Estado de S. Paulo (SP) 9/9/2007