Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Daqui a cinquenta anos...

Daqui a cinquenta anos...

 

TEREMOS FACULDADES DE MEDICINA, engenharia e direito. As outras sumirão do mapa, porque as atuais gerações estão se dando conta de que não adianta muito se formar em universidade e trabalhar em algo que nada tem a ver com o que se estudou. Continuarão a existir o ensino fundamental e médio.


As tribos voltarão:


um grande teórico de comunicação, Marshall McLuhan, falou certa vez que o mundo seria uma aldeia global, onde todos seguiriam mais ou menos as mesmas regras. Não previu um mecanismo chamado internet, que permite às pessoas se organizarem de acordo com seus gostos e afinidades. O Estado pode continuar existindo, mas as pessoas criarão nações virtuais.


O êxodo será da cidade para o campo:


a cidade grande, vestígio de uma época em que meios de comunicação e prestação de serviços eram bastante limitados, irá perder sua função. Os melhores salários serão dos carpinteiros, artesãos, e não dos sociólogos ou psicólogos. Os serviços (bancos, compras etc.) serão prestados por empresas virtuais.


A idéia do sucesso mudará:


será mais bem-sucedido o que aproveita melhor o seu dia e não o mais rico.


A vida será muito mais simples:


voltaremos às coisas gostosas, baratas e grátis - como uma bela paisagem, uma ida ao mercado da cidadezinha local. Na volta da feira, poderemos ler jornais ou ver informativos em qualquer lugar do mundo, graças à tecnologia. Ela nos ajudará a manter contato com nossa tribo espalhada pelo planeta.


A intuição será considerada tão importante quanto à lógica:


o ser humano, depois de muito relutar, vai começar a desenvolver seu potencial desconhecido.


A Deusa ganhará terreno:


não bastam 50 anos para que a idéia da Grande Mãe seja colocada no mesmo patamar que a do Pai - que atualmente domina os sistemas religiosos. Mas já haverá menos preconceito a respeito e possivelmente a Igreja Católica estará se preparando para permitir que as mulheres sejam ordenadas.


O fundamentalismo estará no seu auge:


justamente por causa dos dois itens anteriores, a reação nesta altura será violenta. Todas as religiões vão mobilizar seus fiéis contra reformas, e isso provocará muito sofrimento. Mas faz parte do processo. Acima, quando falei de um mundo novamente tribal, penso que as tribos mais importantes serão as compostas pelas religiões tradicionais.


A xenofobia do Estado estará perdendo terreno:


xenofobia é a “aversão a pessoas e coisas estrangeiras”. Hoje em dia, nos países do primeiro mundo, há um pavor do imigrante, com mão de obra mais barata e cultura diferente. Nos próximos anos, assistiremos ao aumento de leis impedindo imigração, dificultando vistos etc. Mas estas tribos já estão instaladas e, apesar de todas as leis, terminarão por vencer a xenofobia do Estado.


Das três religiões monoteístas, o Islã será a mais forte:


não quero entrar em discussões políticas aqui, mas logo no início da Era Cristã se formaram duas correntes derivadas do pensamento de Jesus. Uma dizia que sua mensagem dependia da aceitação voluntária de cada um. A outra afirmava a necessidade de uma hierarquia, e estimulava o martírio como uma forma de mostrar a importância da conversão. Ganhou a corrente que estimulava o martírio - todos nós, católicos, aprendemos a importância do exemplo dada pelos cristãos apedrejados ou jogados às feras nos circos romanos. Hoje em dia, infelizmente, a idéia do martírio voltou à tona, pelos fundamentalistas islâmicos. Apesar da diferença (sacrifício de inocentes X assassinato de inocentes), a noção do martírio é mais forte, e vai se impor.


Haverá mais línguas e uma língua franca:


quem visitar a Espanha daqui a 50 anos, verá que na Catalunha só se falará catalão e no País Basco tudo estará escrito em euskera. Isso vale para todos os países: as línguas regionais proliferarão como uma maneira de se manter a identidade cultural das tribos. Mas haverá um idioma que permitirá que as tribos se comuniquem entre si - e porque estava junto do nascimento da internet, a língua franca será o inglês, mesmo que em 2055 o chinês seja majoritário.


Estou com 58 anos, e não me vejo chegando até os 108. Entretanto, se algum jovem achar interessante, por favor, recorte esta coluna, e confira: não estarei aqui para receber as vaias ou os aplausos.


 


O Globo (Rio de Janeiro) 11/09/2005

O Globo (Rio de Janeiro), 11/09/2005