É muito difícil buscar originalidade, no trato das questões vinculadas à vinda da Corte portuguesa para o Brasil, a partir da saída de Lisboa, no dia 27 de novembro de 1807. Tudo (ou quase tudo) foi escrito a respeito, em geral com muita paixão e um sem-número de idiossincrasias contra o príncipe regente.
Sua biografia é rica em contradições. Ora se afirma que ele era indeciso e medroso, ora que demonstrou muita coragem ao comandar o traslado; ora um homem de cultura limitada, ora um grande incentivador das artes e responsável pela criação da Biblioteca Nacional, trazendo na comitiva os primeiros 60 mil volumes da Biblioteca da Ajuda. O certo é que, com ele, teve início o processo da evolução cultural do Brasil. Quem negar esse fato estará indo de encontro à história.
Viveu-se um choque de culturas, é natural, com o modelo tradicionalista português confrontando-se com os trópicos, numa colônia mantida até então em estado de completo atraso. Para se ter idéia, não havia uma gráfica em território brasileiro, o que só foi possível a partir de 1808, quando nasceu a “Gazeta do Rio de Janeiro”, primeiro jornal impresso no país (o “Correio Braziliense” era feito por Hipólito da Costa na Inglaterra). As máquinas impressoras foram trazidas pelo Conde da Barca (Antônio de Araújo).
A vida palaciana tinha suas futricas características, com a antipatia e a feiúra de Carlota Joaquina no centro de muitas tramas que visavam a prejudicar a carreira do marido, o então príncipe regente. Ela, de origem espanhola, se intrometia na política interna e externa, especialmente durante os 13 anos em que D. João permaneceu no Brasil. Quando voltou a Portugal, em 1821, já feito rei – e com o título de D. João VI – livre da submissão ao avanço napoleônico, governou o País com outro tipo de enfrentamento: as idéias liberais que ganhavam corpo na Europa. O seu casamento estava definitivamente comprometido, apesar de terem tido nove filhos. A mulher ganhara o cognome de “a megera de Queluz”, onde vivia, separada de D. João, que residia no convento de Mafra. Entrou para a história como “o clemente”.
Colaborou para a visão distorcida de D. João o fato de o General Junot, que invadiu Portugal, em 1807, ter descrito o príncipe regente “como um fraco e a corte portuguesa como covarde”. Mas a ação foi fundamental para preservar a legitimidade da coroa, impedindo-o de abdicar. Foi uma decisão planejada com todo cuidado e, na verdade, durante o período de 1808 e 1821, centro da monarquia portuguesa, aqui foram fincadas as raízes da nossa Independência.
As cerca de 12 mil pessoas que vieram na esquadra portuguesa alojaram-se num Rio de Janeiro ainda muito pobre e subdesenvolvido, acarretando transformações econômicas, políticas e culturais, mexendo com os costumes da sociedade.
Assim, nasceram o Real Corpo de Engenheiros Militares; a Real Academia de Belas Artes; a ampliação dos cursos da Real Academia Militar; um curso de Medicina; a Real Biblioteca Pública; a imprensa; o Jardim Botânico, além da Academia de Guardas-Marinhas e a reabertura do Museu de História Natural. Foi um tempo bastante visível de enriquecimento cultural.
Diário do Comércio (SP) 18/4/2008