Por que alguns governos democráticos têm bom desempenho e outros não? Indaga o cientista político Robert Putman na obra Comunidade e democracia, cujo objetivo é contribuir para a compreensão do modo como as instituições formais influenciam a prática da política e do governo. Disso decorrem outras perguntas: “Mudando-se as instituições, mudam-se também as práticas? O desempenho de uma instituição depende do contexto social, econômico e cultural? Se transplantarmos as instituições democráticas, elas se desenvolverão no novo ambiente, tal como no antigo? Ou será que a qualidade de uma democracia depende da qualidade de seus cidadãos, e portanto cada povo tem o governo que merece?”
O debate político em nosso país há muito carece não só de racionalidade, mas também de análises consistentes, que justifiquem propostas de mudanças capazes de transformar, mais do que a forma, a substância de nossas instituições. As crises políticas que desde o advento da República têm perturbado os avanços do regime democrático entre nós não foram menos inquietantes que as dificuldades econômicas que atravessamos, de modo particular nas fases de descontrole inflacionário. No decurso dos primeiros 100 anos da República, infelizmente, tivemos poucos períodos em que conseguimos conciliar normalidade política, estabilidade econômica e, como conseqüência, desenvolvimento social.
O imediatismo das reformas mal concebidas e a ausência de um projeto nacional que transcenda a transitoriedade dos governos para se fixar na permanência de interesses têm restringido o debate político e parlamentar à questão social. É consabido que as reformas políticas de que o Brasil necessita pressupõem tanto o saneamento das práticas e dos processos correntes, quanto a mudança da legislação. Mais: avulta evidente que o fundamental é também promovermos reformas institucionais, de alcance muito além dos desejados aperfeiçoamentos no território dos sistemas eleitoral e partidário. Impõe-se consolidar instituições que tenham as virtudes de atender às aspirações da sociedade, mais do que dos partidos, entidades e grupos que gravitam em torno da política, por legítimos que sejam seus interesses.
Cabe, a propósito, mencionar publicação que centrou seu objetivo especificamente no problema institucional: Sistemas partidários em novas democracias. O caso do Brasil, trabalho de Scott P. Mainwaring, editado no fim do século passado. No capítulo 10, o professor norte-americano analisa o impacto das instituições na reforma de políticas. Para ele, as instituições brasileiras — das quais o sistema partidário é uma das âncoras — têm um efeito contraditório: algumas fomentam e outras põem obstáculos às mudanças. A razão disso é termos sido, segundo ele, um país retardatário na estabilização da economia — obtida, observo, somente na década passada, com o Plano Real, coordenado por Fernando Henrique Cardoso — e na reforma do Estado.
Pode-se discordar de alguns argumentos dos livros aqui invocados. Pode-se não concordar com algumas de suas afirmações e, igualmente, desprezar as conclusões de ambos. O que não se deve é deixar de considerar que a questão institucional no Brasil continua em aberto. Reduzir as sucessões presidenciais a promessas e propostas de salvacionismo pode ser um recurso ou um subterfúgio. Este, aliás, mais do que aquele. O resultado é a crise institucional que vivemos nos últimos anos, sem precedentes em nossa evolução política e cujo principal produto foi a deterioração ética.
Enfim, é preceito fundamental de todo regime democrático que o Estado esteja a serviço da sociedade e não a sociedade a serviço do Estado. Os resquícios do Estado onipotente continuam a negar à totalidade dos cidadãos os direitos inalienáveis de desfrutar da liberdade que conquistamos, mas não da igualdade a que aspiramos. Estipular, definir e delimitar a ação do Estado em face da sociedade, deve ser a primeira das reformas institucionais necessárias a uma efetiva democratização do Estado brasileiro.
Correio Braziliense (DF) 3/1/2007