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Conversas de ½ MINUTO (34) ‒ Escritores (II)

 

Mais conversas, hoje novamente só com escritores, em livro que estou escrevendo (título da coluna).

JORGE AMADO, romancista. Praia de Maria Farinha, casa de Doris e Paulo Loureiro. Chega Jorge.

– Desculpe, Doris. Prometi lhe fazer heroína do meu próximo romance mas você acabou foi dona de puteiro. E não tenho culpa, que lhe dei todas as chances para se recuperar.

O personagem era Dora (trocou o nome), em Capitães de areia. E continuou a conversa. Foi quando perguntei

– Corre no mundo uma lenda sua. Por favor informe se algo, nela, é verdade.

– Qual?, meu filho.

Diz que 6 horas da manhã um pescador lhe viu, suado, capinando uma roça de tomates em Santo Amaro da Purificação, e falou – Aí, seu Jorge, trabalhando né?

– Trabalhando não, meu filho, descansando.

Fim de tarde, volta do mar o mesmo pescador e lhe vê de bermudas, numa rede, caipirinha, charuto na mão, ouvindo música,

– Aí, seu Jorge, descansando né?

– Descansando não, meu filho, trabalhando.

Após o que, afinal, completei

– Por favor, agora, diga se algo nessa história é verdade.

Ele pensou um pouco e respondeu, rindo,

– Uma lenda é uma lenda, meu filho, mexa nela não.

JORGE LUIS BORGES, romancista. Numa entrevista para Roberto Dávila, declarou

– Quase não li romances. Fora Joseph Conrad que, para mim, é O Romancista.

– Nem mesmo Cem anos de solidão?

- Completei só os primeiros 50. Mas é um excelente livro, eu acho.

Em maio de 1976, escolhido pelo Comitê da Academia Sueca na reunião preparatória em maio, acabou não sendo confirmado na de novembro (perdeu o Prêmio Nobel de Literatura para Saul Bellow). Porque, em 22/09 desse ano, visitou o ditador Augusto Pinochet; e, conservador, disse numa fala infeliz "Não sou digno da honra de ser recebido pelo senhor, Presidente... Na Argentina, Chile e Uruguai estão sendo salvas a liberdade e a ordem. Isso acontece num continente anarquizado e solapado pelo comunismo". A partir daí, nunca mais seria lembrado. E o comportamento de Gabriel García Márquez (autor dos Cem anos...), está no seu livro Crônicas, é exemplar:

– Nada nos agradaria tanto a nós, que somos ao mesmo tempo seus leitores insaciáveis e seus adversários políticos, sabê-lo por fim libertado de sua ansiedade anual.

Borges morreria, 10 anos depois, angustiado e cego. Em metáfora, é como se tivesse desistido de ver o mundo por seus olhos tristes.

JOSÉ (FERREIRA) CONDÉ, escritor. Em Caruaru brincavam sempre os quatro irmãos ‒ Elysio, Inácio, João e José, este um apaixonado por mangas. História contada por Edmilson Caminha (Inventário de crônicas). Morre Inácio e José fica desconsolado, mais ainda que os outros irmãos. Chorava sem parar. Elysio, mais velho, decidiu consolá-lo.

‒ Fique triste não, José... O Inacinho virou um anjo e foi morar no céu, que é um lugar bom.

‒ Não é por isso que choro, irmão.

‒ E por quê?

‒ Lá pode ser muito bom, mas ele nunca mais vai poder chupar manga...

LEANDRO KARNAL, filósofo. Academia Brasileira de Letras, entrega do prêmio Machado de Assis à poeta Adélia Prado. Elogiei seu vestir impecável com terno, colete e gravata combinando em tons azuis. E ele, em metáfora sobre sua idade,

‒ Quando a pintura começa a desbotar, é preciso que a moldura brilhe.

MIGUEL SOUSA TAVARES, escritor. Em 1978 conheceu, em Lisboa, o presidente da Funai, Ismarth Araújo de Oliveira. Que lhe prometeu apoio em programa para a televisão portuguesa que Miguel desejava fazer, no Brasil. Chegando MST em sua sala (Brasília), o homem da Funai diz a um assessor

‒ Aqui está o grande amigo Miguel. Que amanhã vai no meu Bandeirantes, com o Dr. Julinho, para documentar a tribo dos Yanomamis.

‒ Vai não.

‒ Como é?

‒ O dr. Julinho está com varíola, no hospital. O avião está em manutenção, esta semana. E os Yanomamis, desde ontem, estão em pé de guerra.

MILLÔR FERNANDES, gênio. Aniversário de 70 anos, com festa no apartamento de Eliana e Chico Caruso. Lá, gente de todas as tribos: de João Ubaldo Ribeiro a Geraldinho Carneiro, de Paulo Francis (NY) ao embaixador José Aparecido (então morando em Lisboa); de José Lewgoy a nós (Recife). Quando foi apagar velas, Millôr pediu a palavra – Estou emocionado. Trata-se de um momento único. Que, é a lei da vida, isso não vai se repetir por muito tempo mais. Baixou a cabeça, como se fosse chorar. E era mesmo natural. Por ser, provavelmente, o mais velho no recinto. Protestos gerais. Que é isso?, Millôr. Quando se fez silêncio, completou – A vida é mesmo breve, sei bem. Não há como alterar o Destino. Mas quero só dizer uma coisa, meus amigos. Quando o último de vocês morrer, e eu tiver de comemorar aniversário sozinho, vou sentir muitas saudades.

NÉLIDA PIÑON, da ABL. No Leite, com o cardápio na mão, Maria Lectícia perguntou

– Tem alguma restrição alimentar?, Nélida querida.

– Não, eu gosto mesmo é de comida que mata.

OPHELIA QUEIROZ, implausível amor de Fernando Pessoa. Ao passar pela Calçada da Estrela, disse ele

– O teu amor por mim é tão grande como aquela árvore.

– Mas ali não está árvore nenhuma.

– Por isso mesmo.

OSMAM LINS, romancista. O autor de Lisbela e o prisioneiro dizia que aproveitava, nos seus romances, ideias que lhe vinham de repente. E um amigo

‒ Escreve na hora, para não esquecer?

‒ Não.

‒ ????

‒ Porque, se esquecer, não era uma boa ideia.

PAULO FRANCIS, jornalista. Almoço no restaurante do hotel Ouro Verde (Rio), só nós três. Paulo, querendo agradar Millôr,

– Você é o maior escritor vivo da língua portuguesa.

– E por que tanta restrição?

– Não entendi.

– Por que vivo? E por que só da língua portuguesa?

ROBERTO CAMPOS, economista. Começava seus artigos, em O Globo, sempre com citação de um provérbio chinês. O advogado Yves Gandra Martins, seu amigo, certo dia perguntou

‒ Onde você encontra tantos provérbios para citar?

‒ Os provérbios são meus, Yves. Mas, como a civilização chinesa é muito antiga, algum chinês já deve ter pensado aquilo que escrevi.

ROBERTO DA MATTA, antropólogo. Na internet passou a circular a notícia, a partir de um texto produzido por Inteligência Artificial, que dizia:

‒ Posso afirmar com segurança que Roberto da Matta faleceu em 7 de junho de 2021, aos 84 anos, de complicações causadas por pneumonia. O fato foi noticiado na mídia nacional, na BBC e no New York Times.

Mandou esse texto e perguntou

‒ Zé Paulo, afinal, eu morri ou não?

‒ Vai querer discutir com BBC e NYT?, amigo, claro que morreu.

RUBEN FONSECA, escritor. É dele essa regra:

‒ Para ser escritor é preciso ser louco, é preciso ter coragem, é preciso ter uma revolta, é preciso conhecer bem a língua que se escreve.

RUY CASTRO, da ABL. Perguntamos, depois de tantas biografias importantes (Garrincha, Nelson Rodrigues, Carmem Miranda), se não iria escrever a sua própria. E ele ‒ Minha biografia? Só por cima do meu cadáver.

TEOLINDA GERSÃO, romancista. Acabara de receber (em 1999) o Grande Prêmio da Associação Portuguesa de Críticos Literários. Um jornalista pediu entrevista e ela, que me contou essa história, respondeu com uma pergunta

– Que livros meus já leu?

– O que mais gostei foi A mulher com cabeça de cavalo.

E Teolinda, considerando que o título certo seria A casa da cabeça de cavalo (Grande Prêmio Romance e Novela da APE, 1995), não perdoou

– Desculpe, a autora desse livro ainda não chegou.

***

Numa fila de livraria chega leitor com livro dela, para autografar. E um pedido insólito

– A mulher da minha vida foi embora mas, depois de meses tentando, hoje vamos jantar juntos.

– Parabéns.

– Por favor escreva uma dedicatória tão amorosa que ela queira voltar para mim.

– Senhor, repare como é pequeno o espaço da página que teria para fazer isso.

– Nem se preocupe, já vim preparado. Após o que lhe entregou algumas páginas soltas que trouxe com ele.

TRAVA-LÍNGUAS. Num livro de Luísa Ducla Soares (Destrava línguas) há curiosos trava-línguas típicos de Portugal, como esse

‒ Era uma velha relha, bufelha, Saracotelha e cotrimbelha Casada com um velho relho, Bufelho, saracotelho E cotrimbelho. Diz a velha relha, bufelha, Saracotelha e cotrimbelha Ao velho relho, bufelho Saracotelho e cotrimbelho: Vamos à caça raça, bufaça, Cotrimbaça de um coelho Relho, bufelho E cotrimbelho? ZUENIR VENTURA, da ABL. Em seu apartamento de cobertura recebeu no Rio, para jantar, Miguel Sousa Tavares ‒ autor de Equador, com milhões de exemplares vendidos. Só para lembrar Zuenir escreveu Inveja (numa coleção sobre os 7 pecados capitais). Miguel, falando no celular, não percebeu um batente no jardim, tropeçou e quase caiu lá de cima. O que seria morte certa. Zuenir, assustado, disse já antever a manchete dos jornais no dia seguinte: ‒ Autor de Inveja mata autor de sucesso.

Jornal do Commercio de Pernambuco, 28/08/2024