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A confusão é geral

 

Há frases de Machado de Assis que ficaram para sempre na memória dos bons leitores brasileiros. Uma delas é “ao vencedor, as batatas”. A outra, “a confusão é geral”. Parece que, no Governo, há uma acentuada preferência por esta última.


Fatos recentes nos levam a esse raciocínio. De quem terá sido a brilhante idéia de colocar, no questionário dos alunos submetidos ao Enem, perguntas do tipo “cor, raça e religião”, além da revelação do endereço particular? É um censo inédito, com claras demonstrações do que no direito se convencionou chamar de “invasão de privacidade” ou talvez até uma atitude preconceituosa.


Não vemos como possa interessar aos examinadores oficiais saber a que raça pertence o cidadão, até porque o conceito de raça, hoje, é altamente discutível. Ainda mais num país que se orgulha, justificadamente, de ser basicamente mestiço (miscigenação), como proclamava há muitos anos o escritor Sílvio Romero. A relação cor, religião e conhecimento é outra invenção da burocracia, abusiva, na sua essência.


As escolas que se recusaram a responder à totalidade do questionário foram “reprovadas”. Ou pior do que isso, retiradas sumariamente da classificação do Enem, como se não existissem. No Rio de Janeiro, que teve oito escolas entre as 20 melhores do país, as 140 que ficaram de fora certamente dariam ainda mais brilho a essa performance. Para o Enem, não existem, embora os seus alunos tenham feito as provas. O prejuízo institucional causado é imenso e a pergunta que se faz é simples: quem pagará por isso?


Às voltas com problemas como a existência de 16 milhões de analfabetos, mais de 50 milhões de semi-alfabetizados, professores mal formados e mal pagos, um ensino público verdadeiramente caótico, além de outras “tragédias” correlatas, o Governo, no seu fértil laboratório de idéias, resolveu mexer com o que sempre apresentou bons resultados, o Sistema “S”. Será que o presidente Lula, ex-aluno do Senai, está acompanhando isso de perto?


Para resolver a carência de educação profissional, os burocratas pensaram numa  solução aparentemente simples: influenciar no emprego dos  recursos de Sesc, Senac, Sesi, Senai, etc. São instituições que existem há mais de 60 anos, prestando assinalados serviços ao País. Na dupla vertente do atendimento social (tão carente de apoios oficiais) e da prestação de serviços educacionais, com cursos modelares em diversos graus de ensino. É quase inacreditável o espetáculo que se assiste, com a tentativa de prejudicar tais ações positivas, no Brasil inteiro.


Usa-se o argumento de que se trata de “recursos da sociedade”, desconhecendo a lei, que atribui essa responsabilidade aos empresários dos vários setores da economia, portanto são eles que decidem o que fazer dos recursos recolhidos compulsoriamente. Deseja-se propor um atendimento, teoricamente, a 300 mil jovens, para que façam a educação profissional.


Não é verdadeira a crítica de que esses órgãos são desconectados de qualquer fiscalização. Quando se trata de desmoralizar um esforço esse é o argumento que impressiona a quem desconhece o cerne da questão. Todos os organismos do Sistema “S” não utilizam recursos públicos, mas mesmo assim são fiscalizados pela Controladoria Geral da União, o TCU e os seus Conselhos Fiscais, além de inúmeros e rigorosos auditores que acompanham todas as despesas realizadas.


Por que não propor, para tornar mais efetivo o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), um amplo entendimento com os empresários da Confederação Nacional da Indústria e da Confederação Nacional do Comércio? É aconselhável uma saudável parceria, no sentido de otimizar a formação dos que vão operar em nível intermediário. O país cresce, precisa cada vez mais de técnicos, mas há uma dissociação entre esse crescimento e a política de recursos humanos.


Antes de partir para uma guerra sem sentido ou de propor uma lei de conseqüências imprevisíveis, como tudo o  que se passa hoje no Congresso Nacional, melhor seria que houvesse um compartilhamento de ações  proativas, para  valorizar a educação profissional. Armar essa confusão toda, desestruturar o que está funcionando, em busca de uma aventura, não nos parece o melhor caminho. Do jeito que as coisas vão, não haverá batatas para distribuir entre os  pretensos  “vencedores”.


O Globo (RJ) 6/5/2008