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Com balde e pano de chão

 

Já estou fazendo a minha parte, economizando o bem da natureza que me é mais caro: o “precioso líquido”, como os jornais de antigamente escreviam quando não queriam repetir a palavra água. Não tomo mais aquele banho gostoso, interminável, o chuveiro jorrando e eu de fora me ensaboando. Também não deixo mais a torneira aberta quando faço a barba e escovo os dentes. No meu prédio, a mangueira foi praticamente abolida, substituída pelo balde, o pano de chão e a vassoura. Em todo verão, o Rio lança um modismo. Já tivemos o verão da sunga, da maconha, das dunas da Gal, do topless. O de agora talvez venha a ser o do balde ou do pano de chão ou da vassoura — enfim, alguma novidade bem velha. E, justiça seja feita, a moda pode estar pegando.

Dei uma volta de manhã por alguns quarteirões e não vi uma calçada sequer sendo “varrida” com água. Perguntei a alguns porteiros, e eles disseram que era orientação dos síndicos. Diante da estatística que aponta o Rio como o maior consumidor, ou gastador de água, é uma notícia alvissareira. Tom Jobim dizia que o carioca tinha herdado duas características de seus antepassados, os tamoios: o gosto da dança e do banho no rio ou no mar. Quando não estava mergulhando é porque estava dançando. E ele mesmo admitia ser um bom exemplo desse legado. Só que tocava e cantava para os outros dançarem.

Dou a maior força para a campanha de economia de água e luz. Quem sofreu apagão em outros tempos sabe o quão duro e triste é. Me lembro de subir sete andares com vela na mão que em geral apagava no meio do caminho, e você, claro, tinha esquecido a caixa de fósforos. E as vasilhas cheias para substituir a descarga do vaso sanitário (argh), e as noites em claro sentado na varanda porque os lençóis estavam fervendo. Não, tomara que nada disso se repita. Mas tomara também que a gente não tenha que continuar a ouvir o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, dando explicação sobre a crise energética, nos “tranquilizando” com a afirmação de que “Deus é brasileiro e vai fazer chover e aliviar a situação dos reservatórios do Sudeste”. Aperto fiscal, corte de orçamentos, crise hídrica e energética, ameaça de apagão e racionamento, é muita coisa, mesmo para a Providência Divina. Alguém na Terra precisa dar uma mãozinha.

Meu maior medo é que daqui a pouco a advertência “Beba com moderação” passe a ser usada para água também, não apenas para bebida alcoólica.

O padecimento dos pais de Alex, o jovem assassinado em Botafogo, é de cortar o coração.

O Globo, 28/01/2015