Se o parnasianismo deixou saudades e de vez em quando volta, outra tendência há que não foi aproveitada com força total, embora tenha produzido alguns de nossos melhores poetas: o simbolismo. E é natural que tal haja ocorrido. Toda literatura é simbólica, apesar de nem toda literatura ser simbolista. No domínio do simbólico está uma preeminência de forma, aliada a uma exatitude de conteúdos que me parece uma das melhores conquistas da corrente de Cruz e Souza, Antonio Francisco da Costa e Silva, Tasso da Silveira e Cecília Meireles.
Que a poesia de Alberto da Costa e Silva tenha traços fortes do simbolismo, não há a menor dúvida. Partícipe de um tempo essencialmente poético e largo, capaz de abarcar o que foi, o que está diante dos olhos e o que se encontra além do presente, à espera que lá chegue o poeta, atinge Alberto da Costa e Silva um plano pessoal de feitura do verso, de que vem mais uma vez provar seu volume recentemente lançado.
Um dos mais vigorosos efeitos de sua poesia é que ele pega as palavras por dentro, como se o significado de cada uma só pudesse aparecer de fato e chegar até nós se visto pelo que nele vai além do som, da música e do ritmo de seus versos - música e ritmo que, porém, se mostram com força própria, além do símbolo. Nem bem acabamos de passar pelas suas palavras - pelos substantivos e adjetivos que as habitam - temos logo a certeza de que entramos num espaço novo, de inesperados contornos, numa beleza técnica saturada de significados.
Não cai Alberto da Costa e Silva no preciosismo, com que às vezes se confunde a dignidade do poema. Sua linguagem é de uma nova e digna rigidez, turbada pela emoção, mas rígida sempre, o que eleva seus ritmos a uma camada pouco freqüentada pela nossa poesia.
Um dos poemas do livro de agora - "As cousas simples" (cousas com "u" mesmo) - poema com mais de duzentos versos - em estilo "descritivo", "contado", é de uma força vocabular que repousa sobre palavras comuns, normais, sem a menor "poetividade" acrescentada, numa história autobiográfica em que há verso assim: "Chorava um pranto lunar, de grilos no orvalho, / de frio de lima clara, de parido na terra,/ e vinhas à janela, rezar por seu silêncio/ e dizer um seu nome, baixinho, sobre a vela." O poeta se fixa também em poemas curtos, como este: "Por isso,/ somos frágeis e mortais, e amamos,/ para resgatar o que no Deus/ foi sonho."
Ou este: "Dizer jamais de nós/ senão o certo:/ o céu/ e o campo aberto." Ou estes dois versos que têm o título de "Murmúrio": "Vou pedir a meu pai/ que me esqueça menino."
Entre os poetas brasileiros de qualquer tempo, há que se destacar Alberto da Costa e Silva como dos que sabem com maior sabedoria caminhar entre as palavras e transformá-las em corpos significantes. A bela clareza de sua poesia, de uma precisão técnica de alta qualidade, torna-o íntimo das cousas e entidades que povoam a Terra em que vivemos, amamos e tentamos ser gente. É sempre bom quando uma poesia desse teor e dessa força invade uma literatura.
A seleção de versos de Alberto da Costa e Silva, que tem o título de "Melhores poemas", foi feita por André Seffrin num volume dirigido por Edla van Steen para a Editora Global.
Prefácio do próprio Seffrin, que diz: "Alberto da Costa e Silva publicou a maior parte de seus livros de poesia em tiragem de 500 exemplares, pequenas relíquias gráficas distribuídas entre amigos, geralmente nas proximidades das festas natalinas. Uma espécie de consoada ecumênica, convicção do sublime à margem das modas e imposições, sobretudo as de ordem editorial.
A edição que, em todos os sentidos, o confirmou definitivamente como um dos maiores poetas brasileiros, é de 1978, "As linhas da mão", com prefácio de Antonio Carlos Villaça. Orelhas de José Guilherme Melchior, Fausto Cunha, José Paulo Paes e Antonio Carlos Villaça. Capa de Victor Burton. Revisão de João Reinaldo de Paiva.
Tribuna da Imprensa (RJ) 12/6/2007