O cuidado de Chico Anysio em autentificar os tipos que criava fez com que viajasse a Limoeiro (Pernambuco), com o livro "Coronel, coronéis", na mão, para falar com o velho Vilaça.
Meu pai assustou-se ao vê-lo chegar à sala em que trabalhava na Cooperativa de Crédito Rural. Descontraído, comunicativo, sua aparição arrebatou os associados como se tivesse surgido alguém do tipo Padre Cícero ou Luiz Gonzaga. Um reboliço se espalhou na cidade inteira.
Chico Anysio foi direto ao assunto. Estava ali por desejar mais detalhes sobre o Coronel Chico Heráclio, informado pelo maior conhecedor da vida e obra do chefe poético. Sabia da fama do velho Coronel, mas tanto não lhe bastava. Desejava mais e foi logo dizendo para meu pai que preservaria informações mais picantes, silenciaria se ouvisse revelações comprometedoras e avançou na revelação do que já sabia, como os detalhes do casamento, o terceiro do Coronel, agora com dona Consuelo uma viúva quase jovem. Já conhecia as histórias do machismo e da brabeza do Coronel Chico e mais isso e mais aquilo.
Conversou com o meu pai pelo dia inteiro, deu boas risadas com o que ouvia e se interessou vivamente pela figura principal da cidade e, certamente, daquele político protótipo da política interiorana.
Percebeu que o Coronel era um Chico Heráclio espécie de força supletiva do Estado, cobrindo-lhe as insuficiências e isto era veículo de afirmação da chefia, inclusive explicando os excessos de mandonismo.
Admirou-se de que Chico Heráclio usasse encomendas à literatura de cordel para promover sua figura e suas preferências políticas. Compreendeu que o chamado "progresso" (estrada pavimentada, emissora de rádio, multiplicação de escolas, etc), tudo seria utilizado pelos que a ele se opunham na tarefa de afastá-lo da liderança. Concordou em que muitos protagonistas da oposição eram produtos da cultura universitária em involução, a preferirem lutar contra o coronel mas usando os mesmos argumentos dos coronéis.
Homem fiel ao seu cenário nordestino, logo percebeu a complexa figura do coronel, e por isso mesmo criou o tipo "Coronel Limoeiro," esse que o fundamental é retirado do próprio, mas os adereços da personalidade nada tinham com o Coronel Chico Heráclio.
Esperto, Heráclio era a inspiração, o modelo, mas não seria repetição, como aliás o fez com todos os seus admiráveis tipos.
Chico Heráclio chegou a ver o "Coronel Limoeiro" na televisão. Achou graça, mas disse logo: "Não tem nada comigo. É tudo falso". Não era falso, é que não era Chico Heráclio, mas um Coronel imaginado a partir de Chico Heréclio.
Concordou em que muitos protagonistas da oposição eram produtos da cultura universitária em involução, a preferirem lutar contra o coronel, mas usando os mesmos argumentos dos coronéis.
Jornal do Commercio (RJ), 2/4/2012