O julgamento da política é cada vez mais cruel. A vitória da democracia liberal e da economia de mercado, considerados os objetivos máximos do desenvolvimento político ocidental, levou filósofos e economistas de Chicago a considerar termos chegado ao fim da História.
Por outro lado, os cenários propostos num recente relatório de projeções para 2020 apresentado como da CIA apontam para um retrocesso da democracia. Esta torna-se cada vez mais incapaz de criar sociedades e regimes em que o povo se reconheça como constituinte do seu auto-governo.
O exemplo brasileiro é didático. Fomos incapazes de aprofundar a democracia que conquistamos e construímos. O desenvolvimento estagnado e medíocre do neoliberalismo mostrou-se incapaz de assegurar um mínimo de justiça social e a oportunidade de melhor qualidade de vida.
Pior, o desnível entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social mergulhou o país num caldeirão em que floresceram bolsões de miséria e insegurança que dão à sociedade uma leitura de que vivemos uma guerra civil, entre o crime organizado e a ordem. A face do sistema penal é de impensável vergonha, em que predomina o visual dos incêndios, dos aglomerados de seres desamparados com as mãos entre as grades ou dos pátios de corpos nus. E, nessas centrais do caos, a única coisa a funcionar é o comendo do crime organizado.
O Brasil conseguiu no setor produtivo criar recursos humanos de excelente qualidade, e produzir produtos de alta tecnologia. É onde o país mostra sua única face de modernidade. Na área social, se houve progressos isolados, eles foram incapazes de diminuir a secular construção da mais brutal concentração de renda.
O que dizer do desenvolvimento político? Esse acumulou um retrocesso cuja manifestação mais vergonhosa é a onda de corrupção que invadiu os atores políticos. Destruíram-se os partidos, acabaram-se as idéias, sumiram os programas, a ética e a moralidade foram banidas do processo político. É o caos.
Acontece em todos os partidos e em todos os poderes.
O país não se organiza por falta de recursos humanos na política, mas sem estes não se constrói um desenvolvimento social e econômico saudável.
Não vou invocar o lugar comum do Hamlet, de que “há algo de podre no Reino da Dinamarca”. Prefiro uma imagem amazônica de uma planta que tem um cheiro de que todos fogem: a mugueta. Onde ela vegeta inunda a mata do cheiro da podridão.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 04/08/2006