As palavras impacientes do rei Juan Carlos falaram por um sentimento internacional generalizado quando à escalada do ego de Chávez, confundido com a busca da alternativa ao modelo neocapitalista vindo no bojo da hegemonia americana. É só atentar hoje ao coração da América Andina e justamente diante dos governos do Equador ou da Bolívia para se sentir o empenho de procura da diferença dentro do confronto com a dominação americana e a realpolitk com que continuará nos próximos anos.
Não se duvida mais, entre os democratas, de que uma eventual vitória de Hillary envolva qualquer mudança da presença das tropas no Iraque. Nem de que a eventualidade de uma resposta armada continue no horizonte da contenção iraniana. O mundo andino tem hoje consciência clara de que a procura efetiva de um modelo socialista não se pode transformar num recibo servil à profusão dos cheques de Chávez e ao neocolonialismo do Benefactor, frente aos seus vizinhos, na seqüência das eleições que levaram Rafael Correa e Evo Morales ao poder.
Disso se deu conta, também, o Brasil, que mantém o máximo de paciência com o histrionismo de Caracas no peso com que o governo Lula se configura no continente, somando o desenvolvimento econômico à democracia profunda, neste respeito internacional que ganhou nosso país, frente à Comunidade Européia. A dita revolução bolivariana teria condições, no seu próprio chamado histórico, há um qüinqüênio, para permitir a saída de um status quo, por demais ligado à dependência do velho modelo capitalista.
A vitória, por exemplo, de Correa, virou uma página na consciência política equatoriana e tanto teve como contendor personalidade da mais crassa evidência do velho regime, protagonizado pelo homem mais rico do país, Alfredo Noboa, o superexportador de bananas. O Brasil, com o governo Lula, por outro lado, flexibilizou todos os acordos da Petrobras com o governo de La Paz, e hoje, nesta amplitude, evitou o monopólio da influência venezuelana.
O neopopulismo de Caracas, por outro lado, está por inteiro alicerçado na riqueza da exportação de petróleo e nos recursos gigantescos da democracia plebiscitária, na subversão da vida sindical pelas alocações dos fundos públicos às novas comunidades sob o direto comando presidencial.
A indiscutível legitimidade original do venezuelano, reforçada pelo ganho de um recall inédito, pelo desmonte do golpe do velho capitalismo, levou hoje a esta escalada, inquietante, das ditas reformas constitucionais, consagradas pela Assembléia Constituinte, que nenhum sonho de um big brother orwelliano poderia exceder. Aí está a reeleição perpétua do presidente, a indicação permanente da prefeitura de Caracas pelo chefe de Estado, as reformas constitucionais pelo facilitário dos quoruns, o fantasma de um Estado de Segurança, que se venha, por essas maiorias frouxas, a sobrepor a toda liberdade de expressão, ou ao respeito dos direitos humanos.
A tonitroância que levou o rei Juan Carlos a dizer a Chávez que calasse a boca é a de responder ao delírio egolátrico que não se contém mais, e passa a fazer da munificiência financeira assistencial a reprodução, dentro do mundo andino, da mesma perspectiva de centro e periferia reproduzida do Salão Oval. A nova monarquia espanhola dá hoje ao mundo o exemplo da democracia. Quem sabe pode dar um basta ao desmando da revolução bolivariana levada ao grotesco por sobre o ímpeto de sua primeira esperança.
Jornal do Brasil (RJ) 14/11/2007