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A boa nova da semana

 

Talvez porque tenha esgotado meu repertório de emoções com a Olimpíada ou porque seja mesmo um enraizado terráqueo de horizontes limitados, o fato é que não me empolguei com o que foi chamado de “a fascinante descoberta do Próxima b”, a notícia mais transcendente da semana, literalmente. Com todo o respeito aos cientistas que dedicaram uma vida a esse achado histórico e que se sentiram recompensados por isso, as vantagens que oferecem não chegam a me emocionar. Orgulhosos, eles anunciam que o novo planeta é parecido com a Terra e contém água em estado líquido. Ou seja, é uma espécie de plano b, um lugar para onde se pode fugir quando for insuportável o nosso desencanto terreno. Para quê? Provavelmente para fazer lá o que já fizemos: destruir a natureza e poluir as águas doce e salgada, que no começo existiam em profusão e pureza aqui também. Portanto, para dar certo, o novo planeta precisa barrar a entrada de humanos. O melhor desse distante vizinho é que ele só é próximo no nome. Fica a 4,2 anos-luz, isso multiplicado por 9,46 trilhões de quilômetros, de nós. Assim, não há o risco de fazer barulho na porta da gente.

Mas a minha má vontade com esse novo planeta, com nome de mulher como o meu, tem outra causa. É que nós, jornalistas, estamos muito tristes porque acabamos de perder dois queridos e importantes colegas, cada um na sua área — Bety Orsini e Geneton Moraes Neto — com os quais tive o privilégio de trabalhar. E, se não bastasse, já tínhamos perdido antes o Mineiro, a quem só pude admirar à distância, por meio dos textos. Da Bety fui chefe no Caderno B, do “JB”, onde ela assinava a irreverente coluna Perfil do Consumidor. Do Geneton, tive a honra de publicar no Caderno Ideias, também do “JB”, pelo menos uma de suas criativas matérias. Estando em Paris, ele soube que Rubem Fonseca ia fazer uma palestra mais ou menos reservada. Conseguiu entrar com o gravador, registrou a fala escondido e foi ao palestrante pedir licença para publicar. Impressionado com a ética do repórter, Rubem permitiu. E, assim, pôde-se ler a primeira e única “entrevista” do nosso inacessível escritor. 

Os cientistas que me perdoem, mas a melhor notícia da semana é que amanhã a professora Cleonice Berardinelli faz 100 anos. Para seus alunos de Letras Neolatinas, ela era a demonstração de como a inteligência podia ser alegre e a erudição, agradável. Consagrada nos meios acadêmicos daqui e de Portugal por seus trabalhos sobre Fernando Pessoa e Camões, entre outros, a “divina Cleo” é uma joia rara do nosso planeta.

O Globo, 27/08/2016