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A batalha do bom senso

 

Há uma generalizada reclamação, no Brasil, de que as nossas crianças estão chegando à quarta série do ensino fundamental sem os adequados conhecimentos das propriedades de ler, escrever, contar e raciocinar com autonomia. Isso traz reflexos em toda a carreira da aprendizagem. Gostaria de defender uma tese: é possível que isso seja decorrência dos processos adotados de alfabetização em nossas escolas, especialmente as públicas. Há 25 anos que a criatividade tropical inventou o "método Piaget", batizado de construtivismo, quando na origem o autor suíço produziu uma teoria - e não um método.



Repetidas vezes temos denunciado o fato, com variada repercussão. Ora recebemos aplausos, ora somos criticados, como aconteceu, na Baixada fluminense, quando a maioria das professoras presentes a uma conferência quase se revoltou contra as nossas idéias. "Que coragem de criticar Piaget" repetiram as simpáticas mestras, quando não era esse o caso. Piaget deve ser sempre elogiado por sua educação pela inteligência, mas daí a virar método de alfabetização é um grande equívoco.



Encontramos a professora Zoé Noronha Chagas Freitas, que se debruça há muitos anos sobre educação infantil. Foi uma pioneira na educação artística, ao lado do pintor Augusto Rodrigues. Discípula da genial Helena Antipoff, não concorda com a adoção do método global (construtivista) e confirma que as crianças, nesse caminho, decoram uma frase e repetem até a quarta série, sem conhecer o seu exato significado. É francamente favorável ao método silábico e aponta o que está ocorrendo na França, onde há uma vigorosa virada de perspectivas, depois de ter ocorrido o mesmo na Inglaterra, como pôde verificar.



O ministro Gilles de Robien, no início de 2006, como registra a revista Le Figaro número 1318, publicou uma circular, impondo o retorno do bê-á- bá, na aprendizagem da leitura. Não trata da escrita, nem da gramática, da ortografia ou do cálculo. Ele prioriza a "batalha do bom senso", mais oxigênio na educação francesa, com a adoção do método silábico, que concretamente produz resultados apreciáveis a partir de três meses de uso. Voltamos a Helena Antipoff para lembrar o que hoje repete D.Zoé: "Obrigar a criança a aprender a ler só por um método é não aceitar as suas diferenças." Essa volta também está ocorrendo nos Estados Unidos.



Retomamos as palavras do ministro Gilles Robien, hoje com grande popularidade entre os pais de alunos franceses: "As pesquisas sobre o funcionamento do cérebro determinaram a minha decisão. Por que a maior parte dos países utiliza o método silábico? Não é impossível aprender a ler com o método global, mas há uma clara preferência pelo silábico. Deixar os alunos irem adiante sem saber ler é condená-los à exclusão."



Afirmando que "a nostalgia não é o fermento do meu ideal", o ministro francês (não esqueçamos, é língua latina) está estimulando os professores, no seu ofício apaixonante, a produzir materiais silábicos ou fono-sintéticos, no que já se empenham as grandes editoras do país. Só falta mesmo saber quando o Brasil caminhará nesse sentido, com bom senso, mesmo que preservando o seu estilo descentralizado e mais livre de agir, no que se refere aos fatos da educação.


Jornal do Commercio (RJ) 24/6/2006