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As aves, menos cantos

 

Estava preparado para entrar no assunto do dia, a crise financeira que fez os Estados Unidos voltarem a Lord Keynes e negar o neoliberalismo, com US$ 2 trilhões de dólares destinados a salvar bancos e corretoras, quando encontro a notícia, para mim, pior, que é o alerta da Sociedade Espanhola de Ornitologia de que os pássaros do mundo estão ameaçados e que cada vez menos cantos ouviremos – no Maranhão, diríamos gorjeios.


Pensei no meu amigo Dalgas Frisch, esse homem extraordinário que passou a vida gravando o canto dos pássaros e descobrindo as plantas que os atraem. Como ele deve estar destruído, tanto quanto eu, porque nada mais bonito do que o canto de um passarinho. Os poetas sempre quiseram ser passarinhos e seus cantos são como asas tomadas de anjos e deuses, querendo igualá-los.


Nosso maior hino de amor à pátria é o de Gonçalves Dias, chorando em Coimbra e escrevendo: "Minha terra tem palmeiras/Onde canta o sabiá/...Não permita Deus que eu morra/Sem que volte para lá".


Este sabiá já se encontra em Casimiro de Abreu: "Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde/ Cantar o sabiá!". E Tom Jobim e Chico Buarque: "Foi lá e é ainda lá/ Que eu hei de ouvir cantar uma sabiá". Será que somente vamos ouvir o sabiá nas gravações de Dalgas? Vai ser um mundo pior que o silêncio da lua, sem o pica-pau, o joão-bobo, o joão-de-barro, o vim-vim, o leva-riba e os canários de todos os cantares.


A coisa é pior para o Brasil, onde afirmam que 27 espécies estão ameaçadas. Uma delas eu sei: as pombas-do-ar, que estão sendo comidas pelos macaquinhos que invadiram Brasília, vindos do cerrado, devorando ovos e filhotes. Quando fomos descobertos por Cabral, as primeiras naus que voltavam para a Europa iam cheias de pássaros para enfeitar o Velho Continente. À frente de todos, fazendo a festa, os papagaios, com o encanto de falarem. Quando o Barão St. Blanchard pediu para ser indenizado da carga da nau Pèlerine, tomada pelos portugueses, ele reclamava sobretudo dos seiscentos papagaios "já falando algumas palavras de francês" e, como lastro, mais três mil peles de onça. O pau-brasil era o que menos valor tinha.


Na Guiana Francesa, conta Mouren-Lascaux, em seu livro La Guyane, o comércio mais valioso com a França no século 18 eram pássaros empalhados, vendidos a altos preços.


Denuncia a sociedade espanhola que o problema não é o clima, são os homens e a agricultura. Eu me lembro dos meus tempos de menino, todos de baladeiras atrás de matar um passarinho. Eu não tenho este pecado. Sempre gostei de gaiolas vazias, as andorinhas chegando na arribação, e o Johan Dalgas com seus pássaros e seus cantos.


Jornal do Brasil (RJ) 26/09/2008