É por essas e outras que este país não vai para a frente. Como vocês viram, se me leram na semana passada, fiz um valente esforço de reportagem para desistir de minha participação no complô da direita e das elites para alijar o presidente Lula do poder. Bem verdade que tenho reiterado minha oposição decidida a essa conversa de “fora, Lula”, mas vivem repetindo que, nas entrelinhas, eu quero dizer o contrário e aí resisto aos entrelinhistas com a bravura possível e sempre confirmo minha postura de que ele é o presidente legitimamente eleito e, portanto, a não ser dentro dos limites estritos da ordem jurídi-ca, não pode ser objeto de campanhas desse tipo. Isso, contudo, não impede, por se tratar de atitude completamente diversa, que eu fale mal do governo, também dentro dos limites da ordem jurídica, que consagra um direito com o qual todos nascemos e não é dádiva de ninguém, ou seja, a liberdade de pensar e expressar. Ou então de manifestar a opinião pela qual nos pagam, prática pelo visto consagrada, ao menos consuetudinariamente, na vida pública pátria.
Mas esse complô da direita e das elites está muito mal organizado, é uma esculhambação, será que não se faz nada certo aqui? Vocês acreditam que ninguém ainda me procurou para acertar meu mensalão e muito menos me trazer, já não digo uma mala, até porque não sou deputado nem autoridade, mas pelo menos uma valisezinha cheia de dinheiro? Contudo, pasmem, é a pura verdade. Eu vi o dr. Delúbio chorando amargamente contra essa conspiração para derrubar o grande projeto de implantação do socialismo democrático ora em curso e leio e ouço líderes petistas, o que lá seja isso hoje em dia, fazendo o mesmo tipo de queixa. Falando mal do governo, eu vinha tomando parte nessa conspiração sem a menor contraprestação pecuniária, o que, vocês hão de convir, não é justo. Tenho cá os meus leitores e mereceria pelo menos uma gruja tirada da caixa das despesas miúdas, ou seja, uns 20 ou 30 mil euros por mês. Não aceito propina em dólar, já ouvi dizer que hoje é considerado coisa de gentinha - e real nem pensar, porque de repente tacam uma Medida Provisória invalidando o real e instituindo o peteal participativo, que só valerá para os que o dr. Gushiken aprovar como leais ao governo, pois, como já disse, morando aqui há 64 anos, acredito em qualquer coisa.
Não posso, é bem verdade, reclamar demais, porque o projeto socialista também exibe falhas clamorosas, a começar pelo fato de que ninguém o notou, nestes anos de governo petista. Pelo contrário, a impressão que se tinha era a de que, com os bancos tão felizes e a oposição em vez de criticar os atos do governo, se gabando de serem os seus a continuar postos em prática e até aprimorados, não havia projeto socialista nenhum. Mas eu também posso tentar uma entrelinha ou outra e, nas entrelinhas, será que, por exemplo, direitistas históricos como a senadora Heloísa Helena, o Gabeira e diversos pioneiros do PT não estão, na verdade, participando, como eu, da insidiosa trama?
Outra falha gritante é a denúncia do moralismo farisaico que também move os que se chocam com as denúncias de corrupção e, pior ainda, no mínimo cometem a ingenuidade de exigir sua apuração e punição dos eventuais responsáveis. Será que a má vontade e o poder das elites são tão vastos que não permitem notarmos que não é uma corrupção qualquer, mas uma corrupção de esquerda? Está na cara que a distinção é decisiva, mesmo que ninguém mais faça idéia do que é direita ou esquerda. É muito diferente o sujeito receber grana ilícita, ou mesmo furtá-la, para colaborar com uma causa oficialmente não-esquerdista, isso é que não se pode admitir, assim como o governo já se ensaiou para outorgar liberdade de imprensa a quem o apóia e promover o arrocho para quem discorda, o que alguns depreendiam de passadas afirmações do ministro do imperador do Japão, o dr. Gushiken. Afinal, desde os tempos do governo militar, a democracia é relativa, todo mundo sabe disto.
E, no leal intuito de colaborar, apesar de mensalãomente excluído, também ouso lembrar que os líderes da nação exibem singular tendência a dar assinaturas distraídas. Já não me refiro ao cheque em branco que o presidente, segundo se noticiou, assinaria para o dr. Roberto Jefferson. Penso na assinatura do dr. Genoino no tal empréstimo. Ele, coitado, foi injustiçado, pois, afinal, assinou em confiança. Qualquer um assina em confiança, inclusive eu, mas o único prejudicável, no caso, provavelmente seria eu mesmo. Deve ser corriqueiro o presidente de um grande partido assinar documentos em confiança, inclusive para empréstimos zilionários. Ele deve fazer isso o tempo todo e dessa vez lhe traíram a confiança. Mas ele continua corretíssimo e falando pelo PT, pelo menos até o momento em que escrevo. Só a direita solerte é que repara nessas bobagens, assim como fica fazendo insinuações malévolas sobre como uma firma que antes pertenceu ao citado ministro Gushiken e agora pertence a parentes ou amigos dele e, portanto, não tem nada a ver com ele, aumentou significativamente o faturamento, depois que ele chegou ao poder.
E, finalmente, cabe mais uma queixa. Estão roubando e corrompendo muito mal. O Brasil merece ladrões e corruptos menos incompetentes. Então os nossos impostos são roubados por verdadeiros pés-de-chinelo, que não tomam precauções elementares e agora se expõem a esses vexames todos, que tanto atrapalham o governo e o país em general? Até roubar ninguém mais rouba como antigamente? Exijo - e tenho certeza de que vocês também - que meus impostos sejam mais bem roubados, é um direito elementar. Vamos torcer para que as CPIs cumpram a tradição de não dar em nada e façamos muito progresso nessa área. Já vem aí o dia de São Nunca, que é quando o espetáculo do crescimento vai deslanchar, esse governo cumpre suas promessas.
O Globo (Rio de Janeiro) 10/07/2005