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Arquitetura e Supremo

 

APÓS A SEGUNDA Guerra Mundial, quando o Parlamento britânico havia ficado em ruínas, cresceu uma discussão envolvente sobre como deveria ser a reconstrução. Uma corrente levantou a idéia de buscar-se uma nova área e aproveitar a oportunidade para construir um prédio moderno. Outra corrente defendeu a reconstrução com a ampliação dos módulos, modernizar as velhas instalações. O gênio de Winston Churchill disse um grande não às duas propostas e decidiu que a Câmara dos Comuns, aquela sala modesta, que se reúne como se fosse uma família, deveria ser reerguida como sempre fora: com galeria pequena, mesa central, bancos nas laterais e modéstia setecentista. Seu argumento era o de que o estilo do Parlamento britânico correspondia à sua arquitetura. Fazia fugir da retórica, decidir como se fosse uma família, ser veemente sem ser verboso, irônico sem ser vulgar. A arquitetura se confundia com o trabalho parlamentar, e modificá-la seria modificar a Inglaterra. Escreveu uma página brilhante sobre o assunto.


Niemeyer também, ao projetar Brasília com Lúcio Costa, não sabia, mas iria criar um estilo de vida, hoje o estilo de vida de Brasília. Na mente dos projetistas, um pensamento comunitário, em que todos eram iguais em todas as quadras, espaços e edifícios públicos: a simplicidade deveria construir uma maneira de governar. O mundo vive mudando e mudará sempre. Para compensar a simplicidade, surgiram as mordomias. Foi um tempo em que este foi o tema principal da mídia e das fraquezas da capital.


Falo destas coisas para dizer da arquitetura do Supremo. Ela, também, foi concebida como se fosse a sala ampla de uma grande família, em que os anciãos se reuniam para decidir suas controvérsias. Não há paredes nem separações. Advogados, partes e juízes estão juntos. O mesmo aconteceu com a arquitetura do Congresso Nacional.


Hoje, os jornais publicam que os computadores dos ministros foram fotografados, e uma revista noticiou que eles estavam sendo gravados. Certa vez, um presidente do Parlamento alemão foi ali comigo e me perguntou: é aqui que julga a Suprema Corte? Sim, respondi-lhe. "Sem segurança, nem proteções?"


"Nada", foi a minha resposta. E acrescentei: "E ainda são televisionadas as sessões". "Isso jamais seria concebível na Europa. Com terrorismo, narcotráfico e tudo mais, nunca!" Só pude dizer que é nosso estilo, ou melhor, nossa arquitetura. A tecnologia destruiu a privacidade, e a arquitetura do Supremo, ao que parece, destruiu a privacidade dos ministros.


Folha de S. Paulo (SP) 24/8/2007