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Antes da "guerra de religiões"

 

Realizou-se no Rio de Janeiro, de 8 a 10 último, a primeira reunião, no hemisfério, da Comissão das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações. Sob o comando do ex-presidente de Portugal, Jorge Sampaio, o encontro denunciou, com o maior realismo, o perigo da retórica nesses debates, presos ao lugar-comum da burocracia internacional.


É difícil encontrar-se hoje termos mais desgastados do que "diálogo" ou "transparência", no universo da má consciência em que se repetem as proclamações dos bons intentos para a mudança. Não vencemos este impasse dos preconceitos mundiais recorrendo apenas a um voluntarismo ingênuo ou à melopéia de uma cultura da paz, ou do mero "desarme dos espíritos".


A difícil retomada do caminho da confiança exige o reexame, senão a desconstrução mesma do conceito de diálogo. Há que vencer os estereótipos e as idéias feitas ou, sobretudo, a recusa básica a modificá-lo, no confronto de hoje entre o Ocidente e o Islão. Dados recentes do Instituto Gallup mostram que 50% dos americanos não sabem o que é o mundo do Profeta. E 2/3 desses não têm o menor interesse em conhecê-lo. As porcentagens são maiores ainda, do outro lado, na visão dos EUA.


Este vácuo de informação e de interesse gera uma "civilização do medo", às vésperas das "guerras de religião", tanto quanto o terrorismo importa no cancelamento da própria idéia do outro, nesta vitimização anônima e continuada da queda das torres de Manhattan, ou das explosões de Londres, ou de Madri. Tal violência extrema é resultado de supergangues, bem equipadas, como a Al Qaeda, ou os homens-bomba agem pelo irracional do inconsciente coletivo, e num sentimento que desperta, de subordinação continuada ao Ocidente? Na verdade, o mundo islâmico ao viver no Oriente Médio as seguidas colonizações européias do último século dar-se-ia conta hoje de que o seu progresso tecnológico concentrado se fez ao preço da descaracterização das suas culturas, senão da perda da própria identidade.


A Aliança repassou a temática de todas as medidas do antiterrorismo em políticas de largo prazo, mas também de busca das ações afirmativas inovadoras, para escapar da sumária e crescente rejeição entre os dois mundos. Teme-se que um fundamentalismo defensivo radicalize a lei corâmica em prejuízo de um entendimento internacional dos direitos humanos, ou o que o Salão Oval avance no seu evangelismo identificando a fé cristã ao missionarismo militar no Oriente Médio. Não é outra a enorme responsabilidade dos democratas, de trazer de volta o grande país às suas matrizes rooseveltianas.


Entre as conclusões da Conferência está a de que nunca se chega ao completo aperfeiçoamento dos direitos humanos. Mas nele se estriba o diálogo veraz, mínimo, do nosso tempo. E que no Ocidente desses dias, ao contrário das propostas das constituintes regressivas de Caracas ou La Paz, os direitos à expressão, ou à liberdade, ou ao dissenso, sejam conquistas sem volta da dignidade da pessoa.


Jornal do Brasil (RJ) 12/12/2007

Jornal do Brasil (RJ), 12/12/2007