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Amazônia Brasileira

 

De minha experiência como adido cultural na África, em Nova York e na Inglaterra, tive muitas vezes de enfrentar o que sempre me pareceu realmente ser uma série de sinais da cobiça internacional com relação à Amazônia. Em várias conferências que fiz em lugares tão diferentes entre si como Lagos, Dakar, Londres, Liverpool, Los Angeles, Estocolmo, Varsóvia e Milão, indagações e afirmações de professores e alunos locais indicavam uma tendência geral a se considerar o Brasil como incapaz de tomar conta de uma região com a importância da Amazônia.


Certa vez, em Essex, Inglaterra, depois de palestra minha sobre a literatura amazonense, um professor alemão pediu a palavra e, convicto na sua opinião, ponderou que, sobre o assunto, era preciso que se pensasse em um tratado internacional que permitisse a outros países, fora do Brasil, analisarem sob a supervisão da ONU, medidas que preservassem os valores naturais da região amazônica no momento sob o domínio brasileiro.


Na mesma hora retruquei, com firmeza, que a menor interferência na Amazônia brasileira seria repelida pelo governo e pelo povo do Brasil. O professor achou que eu interpretara mal o que dissera, porque desejava apenas que outros países "ajudassem" o Brasil, na direção de planos que resolvessem os problemas da região.


Coisa semelhante me aconteceu em outros países quando tratei de assuntos parecidos. Para que haja uma consciência de todos nós na defesa desse vasto e diversificado território brasileiro, faz-se mister conheçamos de que maneira a Amazônia hoje brasileira chegou a ser nossa. Não há muitos livros que narrem a história de como assumimos a responsabilidade por esse cobiçado pedaço do mundo, o que me parece mais abrangente é o que tem o título de "Breve história da Amazônia", de Márcio Souza.


O autor, que assina uma larga quantidade de bons romances cuja ação decorre na Amazônia - um deles foi uma bem-sucedida série de tevê, "Mad Maria", no ano passado - levantou minuciosamente os detalhes do desenvolvimento da ocupação do Amazonas pelo homem branco e as sucessivas fases por que passou essa ocupação.


Na realidade, o Brasil do litoral, do Sul de São Paulo ao Maranhão, deixou a Amazônia de lado. A notícia mesma do grito da Independência só chegaria a Belém em 1823, tendo a região continuado a se sentir então ainda colônia de Portugal. França, Holanda e Inglaterra, além da Espanha, tentavam apossar-se de trechos do território, tendo os três primeiros conseguido ocupar as Guianas.


O Rio de Janeiro, o poder central, não dava a devida atenção ao que ocorresse além do Maranhão. Márcio Souza lembra que Dom Pedro II, que viajava por outras partes do mundo, visitava exposições internacionais nos Estados Unidos, encontrava-se com Graham-Bell em Filadélfia, ia a óperas de Paris e na Itália, passava temporadas na Grécia e na Turquia, jamais visitaria a região amazônica.


A narrativa da "Breve história da Amazônia" vai a minúcias de análise e julgamento. Mostra como, ao longo do século XVIII, surgiu na região do Rio Negro, o chefe indígena Ajuricaba, que lutou contra os portugueses e conseguiu unir mais de 30 nações do vale em quatro anos de trabalho. Ajuricaba, preso e acorrentado, atirou-se ao mar e nunca mais foi visto.


Márcio Souza traz sua história até hoje, passando pelo "ciclo da borracha" e chegando aos governos posteriores a 1964, com a estrada Transamazônica e a criação da Zona Franca de Manaus em 1967, completando um panorama histórico de que precisamos tomar conhecimento para evitar que a Amazônia brasileira deixe de sê-lo. O livro de Márcio Souza une-se a uma bibliografia necessária em que estão livros como "A Amazônia e a cobiça internacional", de Artur César Ferreira Reis (1972) e os Estudos de Leandro Tocantins, "Região, vida e expressão" (1965) e "Euclides da Cunha e o Paraíso Perdido" (1966).


Também a "Guerrilha do Araguaia" dos anos 70, os conflitos de terra e até o Festival Folclórico de Parintins aparecem nas análises de Márcio de Souza, fazendo em seu ciclo um documento de leitura indispensável para os que estudam o Brasil e seus problemas.


"Breve história da Amazônia" é um lançamento da editora Agir. Orelha de Flávio Perri, apresentação de Renan Freitas Pinto, capa de Cely Aiuica.


 


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 28/03/2006

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro), 28/03/2006