Quero falar do tempo carnavalesco, hora da alegria. Mas alegre mesmo deve estar o presidente Lula com as pesquisas e simulações eleitorais. Nada alegra mais um político candidato do que uma alentadora pesquisa. Eu acho até que as fotos de cartazes só deveriam ser tiradas no dia do resultado de uma boa pesquisa. Eu tive um grande eleitor, Sebastião Furtado, que morava em Parnaíba, Piauí, mas tinha propriedades em Araioses, Maranhão, onde fazia política e foi prefeito, que uma vez me revelou - num tempo em que ainda não existia Ibope - como avaliava aquele que seria vitorioso. Uma vez, em 1955, eu cheguei para fazer campanha e levava uns cartazes para serem pregados na cidade - cartazes meus e dos candidatos a governador e a vice. Desenrolei-os, mostrei ao Sebastião Furtado. Ele me disse então: "É esse nosso candidato?". "Sim, Sebastião, é esse". "Pois não ganha não. Eu já sou bem antigo na política e conheço candidato que ganha eleição pelo cartaz. Já conheço a cara do ganhador". "Mas Sebastião, é um homem de grande chance, estamos unidos em torno dele, é um Brigadeiro da FAB". Sebastião me retrucou: "Mas tem olhos de "hervado"". Era assim que se chamavam os consumidores de maconha. Ora, seu diagnóstico foi tiro e queda. Perdemos a eleição fragorosamente. Depois disso, antes de sair em campanha, eu mandava os cartazes para o Sebastião com o recado: "Dê sua opinião". Era o precursor dos marqueteiros, sem risco de contas nas ilhas Cayman.
Que saudades daqueles tempos e daquelas eleições. Eu viajava atrás de votos em canoas forradas de bagaço de cana, que levavam atravessando o delta do Parnaíba umas oito horas. Às vezes de noite, e noite de luar com as areias alvíssimas das coroas o refletindo. Depois era chegar e tomar os cavalos e começar a desobriga, de povoado em povoado, a pedir votos.
De uma dessas viagens, em outro município, cheguei cansado à sede. Tomei banho, troquei de roupa, jantei e fui aliviar o corpo machucado. Então, o Cavour Maciel - era outro chefe político que me apoiava em Penalva - me disse: "Viagem vitoriosa, seu nome está muito bem recebido, deputado. E o senhor está satisfeito?". Eu, exausto, respondi-lhe: "Cavour, na próxima encarnação, se Deus me perguntar se eu quero ser político ou um burro de viagem, eu prefiro ser burro". Ele, com sabedoria extraordinária, me retrucou: "E se o Senhor fosse um burro de um político? Ia sofrer muito mais".
Mas eu ia falar da alegria. Eu sempre achei que a alegria do Brasil veio da África. Com Jorge Amado, em Cabo Verde, vi uma multidão batendo tambor, cantando e levando estandartes. Mostrei-lhe e disse-lhe: "Veja, Jorge, é a Bahia. É daqui que a alegria desembarcou em Salvador".
Quando Cabral saltou em Porto Seguro, a primeira coisa que organizou foi um carnaval. Desceu, tocando tambor e gaita, Diogo Dias, a indiada entrou no ritmo, uma delas pintada no popozudo. É assim que diz o escrivão, o carnavalesco Pero Vaz de Caminha. E as índias mostrando suas "vergonhas", peladas.
Portanto, não é por acaso que o Carnaval brasileiro é o melhor do mundo. E os blocos de índias estão mantendo a tradição. A única coisa fora de moda é o biquíni, desnecessário em Porto Seguro.
Vamos, assim, cair na gandaia, com moderação e sem esquecer a recomendação do Ministério da Saúde: leve o guarda-chuva. Pode chover e não é bom coisas que devem gozar perfeita saúde gripadas no Carnaval.
Lembremos Manoel Bandeira: "Evoé, Baco!".
Folha de São Paulo (São Paulo) 24/2/2006