Tom Jobim nos encantou com as águas de março. O Nordeste e o Norte viveram e vivem o que não há na memória da região de tantas chuvas e tantas enchentes. Todos os povos guardam no imaginário do seu povo o tempo de uma grande enchente que engoliu a Terra. Os espanhóis ouviram dos astecas essa lembrança. Os nossos primeiros cronistas, Abbeville à frente, nos falam dessas águas como se fosse uma lenda indígena.
Há uma máxima de que a pior enchente é aquela que está por vir.Mas todas elas devem ter existido, e a Bíblia imortalizou no dilúvio aquilo que deve ter sido um pedaço da história da Terra. Esse tempo não passou.
O Maranhão, por exemplo, vive o que nunca se viu nem se ouviu falar. Não é um rio ou uma cidade, são todos os rios e todas as cidades. Se o Estado recebeu, durante décadas, os retirantes das secas, agora são os retirantes das enchentes que não sabem onde ficar, porque, sendo toda ele uma planície, tudo está cheio. É uma tragédia que não se vê maior porque está longe dos olhos do Sul. E não há esperança de as águas baixarem, porque temos ainda dois meses de chuvas, o inverno, pela frente.
Fala-se até, com grande pavor, que o Amazonas também vai juntar-se a essa calamidade. O Negro subiria mais de 19 metros e, quando as águas chegassem à foz, teriam inundado as cidades ribeirinhas.
Mas, se as águas aumentam, a crise econômica que nos assustava a todos vai baixando, baixando o dólar, subindo a balança comercial, desacelerando o crescimento do desemprego americano, e novos ventos estão soprando. Até a venda de casas nos EUA, responsável pelo início da crise, subiram 3,2%.
Enquanto as Bolsas sobem, a gripe suína também começa a preocupar menos. O vírus suíno que chegou com músculos de Tarzan agora parece não ser tão forte e fica como atleta olímpico sem anabolizantes.
Aliás, os porcos, que estavam naquela direção que sempre tiveram, morrer para serem comidos, estão baixando de serem exterminados já que sua carne não transmite gripe -mas que é boa é. Tanto é assim que Ulisses, ao passar pela ilha de Eana, onde Circe reinava, correu o risco de ser transformado em porco, como seus companheiros. Esses porcos mitológicos talvez não possuíssem ainda o vírus dos atuais, que deles não descendem.
Assim, vivemos nossos dias, entre subidas e descidas, na gangorra dos fatos, agora chegados aos nossos olhos e ouvidos em tempo real e duro. E com águas e Bolsas subindo, porcos morrendo, não temos motivos para desistir de viver e esperar, como o sofrido povo do Nordeste, que Deus nos ajude a não "padecer sem culpa nenhuma", em pleno Discovery.
Folha de S. Paulo, 8/5/2009