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Acrobacias do Desvairismo

 

Consultar jornais antigos dá nisso. Você procura uma coisa e encontra outra que nem se passava pela sua cabeça. Folheando a trabalho o jornal carioca "Meio-Dia", de 13 de março de 1939, encontrei um artigo confuso, mas meio racista e homófobo, contra Mario de Andrade. "Meio-Dia" era financiado pelos nazistas no Rio, com dinheiro do Banco Transatlântico Alemão por intermédio da agência Tranzocean. Seu diretor, o pernambucano Joaquim Inojosa, era simpático aos totalitários. O autor do dito artigo tinha uma coluna semanal de crítica literária no jornal e era seu corretor de anúncios junto aos ricaços de São Paulo. Entre outras, o texto dizia:

"Beirando os cinqüentão, o autor de ‘Macunaíma’ entra na era psicanalítica. Começa a se explicar, a se confessar e a revelar todo o vazio de sua vida pequeno-burguesa. Desmontado, esse boneco do Modernismo não desperta nenhum interesse. O que houve nele de marcante foi o Desvairismo, justamente a transferência de suas solidões animais para o plano estético e poético. Hoje, porém, quando ele começa a contar para o sr. Barata que era ateu e para o sr. Benjamin que era católico, perdeu toda curiosidade.

"Dentro do sr. Mario de Andrade existem um Pai João, uma dançarina e um bacharel. No naufrágio a prestações que foi a burocratização do sr. Mario de Andrade, morreu a dançarina e ficaram, dando-se abraços e detestando-se, o Pai João e o bacharel. O sr. Mario de Andrade ficará o grande ‘colored’ da nossa literatura. Ele é a dupla —o negro e a dançarina— que fez aquelas mais altas acrobacias do Desvairismo.

"Sempre acreditei que o que estraga o mulato não é o negro, e sim o branco que está dentro dele. O que perde o sr. Mario de Andrade é a dose de cálculo e de safadeza ariana que passou a ser o seu oferecido reflexo condicionado. Ainda agora ele acusa a parte negra de seu ser de prodigar curvaturas pra lá e pra cá. É pura calúnia. Quem espalha curvaturas é o branco, o branco que tem o desplante de vir fazer propaganda do mundo morto que é o sr. Octavio de Faria. Curvaturas... curvaturas..."

Não brigue comigo. O autor, olha só, é o Oswald de Andrade.

Folha de São Paulo, 29/12/2024