Tenho presenciado discussões acaloradas sobre se este ano já começou. A opinião mais corrente é que nem começou nem vai começar, mesmo depois da Semana Santa, diferentemente do que por costume acontece. Segundo os mais radicais, não vai começar nunca. Eles acham que o presidente, chateado com alguns problemas, resolveu pular este ano. Não deve ser difícil, creio que uma Medida Provisória quebra esse galho, como, aliás, quebra todos os galhos. Basta botar lá que 2007, devido aos baixos índices de crescimento previstos, à falta de infra-estrutura e, basicamente, à falta de saber o que fazer, não vai existir. Passa-se diretamente a 2008, com determinações expressas de que ele se comportará de maneira bem melhor.
Creio, por exemplo, que em 2008 o presidente terminará de arrumar seu ministério direitinho, o que vem sendo dificultado pela escassez de ministérios. São apenas pouco mais de trinta para botar todo mundo, sem demitir ninguém porque ele não gosta e o sujeito não chega a presidente para ficar fazendo o que não gosta, também aí já é querer santidade. Tarefa espinhosa, que talvez torne necessária a criação de mais uns trinta novos ministérios, como já sugeri aqui. Isso demanda tempo e dedicação e, mesmo assim, não garante a famosa governabilidade, que vem sendo muito ameaçada, notadamente da maneira mais inesperada, provavelmente por artes das elites.
A atrapalhação principal, como vocês já devem ter notado, é a falha no efeito David Copperfield, não o personagem de Dickens, mas o mágico. É bem capaz de terem falado nele, no curso (me disseram que de pelego, mas isso também deve ser onda das elites) que, ainda líder sindical, o presidente tomou nos Estados Unidos – sim, porque leio aqui que o presidente não é tão misosófico (domingo, dia de exercício – dicionário) quanto aparenta para os bestas e já fez estágio ou curso nos Estados Unidos, patrocinado pela AFL-CIO, organização sindical manjada onde quer que haja um pelego em ação.
É, é bem possível que tenham dito a ele que David Copperfield viria ajudar nos efeitos especiais, porque a verdade que ele tem tentado fazer alguma coisa e o insucesso não lhe pode ser debitado. Por exemplo, ele já marcou não sei quantas vezes o início do espetáculo do crescimento e o país não obedeceu. Quer dizer, não é um problema de ele não querer ou não saber fazer as coisas. É que as coisas desobedecem. Já perdi a conta do que ele mandou acontecer e não aconteceu.
Está ficando chato, por exemplo, nem todo mundo concordar que, sob todos os pontos de vista, ele tem sido o maior presidente de nossa História, quando não responsável por feitos inéditos em toda a História do mundo. Melhor presidente? É ele. Mais popular? É ele. Quem fez mais pelo Brasil? Ele. Aí o pessoal duvida, baseado na premissa forjada pelas elites, de que, se fosse assim mesmo, todo mundo estaria felicíssimo e sem saudade de tempo nenhum. Mas não, insistem em reclamar. Quer dizer, o camarada vem de peito aberto, proclama com inteira sinceridade que é o melhor presidente da História ou que nunca ninguém no mundo fez o que ele fez e, em vez de ser orgulhar, o brasileiro, esse ordinário que bem que podia ser substituído ou afastado sine die, não aplaude e ainda duvida. Isso dói, dói demais e ele também é filho de Deus, sofre diante da injustiça como qualquer um.
Outro exemplo, talvez menor, mas da mesma forma eloqüente, é o que vem acontecendo com o chamado apagão aéreo. Ele já deu ordens expressas para o apagão desapagar e não aconteceu nada. Pode uma coisa dessas? Fazer o que ele tinha de fazer, ou seja, dar as ordens e ir cuidar da vida, ele já fez. Mas ele não tem direito nem de cuidar da vida, como qualquer um de nós, felizardos governados. Mal virou as costas, nem bem pensou no próximo passeio, o apagão continuou. Aí fica difícil e assim nem chamando d. Dilma, que parece ser melhor de esbregue do que ele, homem puro que beijou a mão de Jader Barbalho e quase deu um cheque em branco a Roberto Jefferson, além de confiar em gente que só fez aprontar pelas costas dele.
Mas eu acho que o ano já começou e que o presidente conta com o apoio popular mesmo, não devendo deixar-se enganar pelos áulicos do poder. Por exemplo, em anonimato tornado impossível pelo seu nome escolhido pelos deuses, um paulista do interior já mostrou que o Brasil colaborará. Ele é da famosa Matão, que fica a algumas horas da capital, ou seja, Brasilzão mesmo, nada desse negócio de elite ou gente metida a formadora de opinião. E o nome dele é, sério mesmo, Brasilino. Bem, Walmir Rosalino Brasilino, diz aqui no jornal, mas o Brasilino é o que deve valer e faz de sua atitude o perfeito marco inicial do apoio maciço que o povo brasileiro dará ao presidente doravante. O que Brasilino fez foi ser preso por (alegadamente, alegadamente, mas já se fala que pode pegar oito anos, a lei aqui não perdoa) furtar 80 rolos de papel higiênico, três garrafas de detergente e três litros de desinfetante. Os homens que reprovaram o ato ou dele participaram na condição de repressores não notaram o seu caráter histórico. Que quer Brasilino, ao custo heróico de um ano de cadeia por cada dez rolos? Obviamente, fazer sua parte na limpeza de nosso país – e convenhamos que 80 rolos de papel higiênico não dão nem para começar em muitas pequenas prefeituras, quanto mais em escala federal.
Brasilino é um mártir da nacionalidade. Agora é de se esperar que os outros brasileiros sigam seu exemplo. “Desinfeta, Brasil” me parece um grande slogan para a atual conjuntura. O perigo é que, se levado a sério, é capaz de não sobrar nem Executivo, nem Congresso, nem Judiciário. Mas, daí que a gente note, talvez o mundo já tenha acabado de vez.
Diário da Manhã (GO) 1º/4/2007