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Abaixo o baixo astral

 

Também acho que os mais de R$ 30 bilhões gastos com a preparação da Olimpíada seriam mais bem empregados para elevar o nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), na reforma dos hospitais, na melhoria do ensino, no pagamento em dia do funcionalismo, no reforço da segurança, entre outras necessidades urgentes de um estado falido e uma cidade carente de tantas benfeitorias. Deveríamos ter feito como Estocolmo, que desistiu de sediar os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 para investir em moradias populares. Isso na Suécia, que dispensa comentários. Só que agora é tarde, não adianta torcer contra o sucesso do evento com previsões catastróficas. O seu fracasso não atenuaria nossos problemas, não aliviaria nossa situação. Ao contrário, seria quase mortal para o turismo, além de afetar a autoestima do carioca, tirando dele uma fonte de alegria e prazer: a curtição do esporte, junto com a festa e a celebração.

Como minha amiga Lucia Riff, “começo a ficar com raiva de quem diz que vai dar tudo errado, dos artigos negativos, das gozações internacionais (e nacionais)”. Por isso, não concordo com as declarações pessimistas do prefeito à imprensa estrangeira. O ceticismo não combina com ele nem com a cidade de São Sebastião, acostumada a resistir às flechadas. Ao criticar tão duramente o governo do estado (“precisa tomar vergonha na cara”), há quem diga que ele está olhando para as próximas eleições, daí querer distância dos antigos aliados, em queda nas pesquisas. Não sei, mas não o entendo decretando que esta é “uma oportunidade perdida”. Verdade que no mesmo jornal britânico “The Guardian”, ele se indignou com o noticiário lá de fora: “Parece que tudo aqui é zika e pessoas atirando nas outras”. Ele próprio, porém, ao declarar à rede televisiva CNN que em matéria de segurança o estado estava fazendo um “trabalho terrível, horrível”, prestou um serviço à confusão que os gringos fazem entre estado e município. Para quem já está com medo de vir, pouco adianta saber se o assalto que pode sofrer pertence à esfera estadual, e não municipal, se a culpa é do governador, e não do prefeito.

Portanto, o melhor a fazer é torcer a favor do êxito, é ter esperança, o que não é difícil. Nesse quesito, só temos bons precedentes, o último dos quais foi a Copa do Mundo. Lembram-se do refrão dos derrotistas, o “imagina na Copa”? Parecia fazer sentido, diante de um Rio que estava daquele jeito (como hoje). Pois bem, viu-se o resultado: a única coisa que não deu certo foi a seleção. Até hoje lamenta-se esse fiasco, e comemora-se a vitória da organização. O problema é a ressaca, mas essa fica para depois.

Enquanto isso, xô, baixo astral.

O Globo, 13/07/2016