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O anacrônico extremismo americano

 

Os direitos humanos nos Estados Unidos, nestas últimas semanas, legalizado o casamento gay, passaram, também, não obstante, por gestos dramáticos de regressão cívica e política. Não há como subestimar a força do propósito de Dylan Roof, na concerta- ção exaustiva do massacre de Charlestown. Desdobram-se, implacáveis, todo o discurso do intento de imolação do assassino e a amplitude da escalada em que se vê como primeiro mártir.

O que está em causa é a coexistência racial nos Estados Unidos, eliminando o consenso do “iguais, mas separados”, que marcou o último meio século. Sem relações imediatas, o movimento do jovem americano ecoa, de certa forma, o Isis, na passagem do exclusivismo social para o abate da outra raça, em verdadeira cruzada. Roof não vai ao implante, quase ariano, da brancura e da “limpeza de raça”, em que vê o avanço da coletividade americana. Mas ainda, nas suas exortações, reforça todo o simbolismo da regressão. O massacre teve como cenário a cidade de Charlestown, berço da resistência confederada e a reprotagonizar os responsáveis pela defesa do regime servil nos Estados Unidos.

Os assassinatos tiveram como pano de fundo a mantença da bandeira confederada na cidade, a relembrar a última resistência de Jackson e seus companheiros na guerra contra Lincoln e a liberação da escravatura. Por força, o massacre de Roof foi escarmentado por outros núcleos do extremismo conservador, no Sul dos Estados Unidos. Mas é o que só mostra a vastidão desses agrupamentos, a evidenciar um emergente fundamentalismo americano, no culto desviado das diferenças coletivas.

Numa reação nacional, o massacre de Charlestown levou ao abate, pelos democratas, de monumentos sobreviventes dos confederados, no desimpedimento radical de um novo horizonte, capaz, inclusive – como prega Obama –, de superar o velho conformismo do “separados, mas iguais”. O que parece estar em causa é essa aceleração profunda de uma tomada de consciência que se remata na sentença de Anthony Kennedy, ao, de vez, assinalar o compromisso da Suprema Corte americana com a tarefa, sempre inacabada, do aperfeiçoamento dos direitos humanos na democracia de nossos dias.

Jornal do Commercio (RJ), 03/07/2015