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Acuados e censurados

 

Estamos acuados pela assustadora dimensão do problema ambiental que nos agride de forma crescente, na sucessão de rompimento de barragens, incêndios nas matas e vazamento de óleo no mar. E mais o desastre da educação precária e do saneamento inexistente para mais de metade da população deste triste país.

No meio disso, ainda temos a volta da censura vinda de grupos sem qualquer intimidade com a fruição da arte, a quem tem sido negadas as oportunidades de ir a teatro, museus ou exposições, de saborear música boa, de se deliciar com livros e filmes que vão além da linguagem rasteira de slogans e palavras de ordem. Então, têm medo do mal que receiam se esconder em obras que acham estranhas, cujo sentido não dá para reduzir apenas a uma mensagem ou determinação a ser obedecida. Esse pavor absurdo os faz buscar a proteção de um pensamento único, em que tudo vem já pronto e mastigado, sem precisar passar pelo risco de uma reflexão própria.

Em regimes autoritários, a censura se faz por vias institucionais, com vetos e proibições. Agora está sendo mais sutil. Finge não cortar a criação mas corta as verbas para que a pesquisa se faça ou a arte chegue ao público. Ou se exerce pelas redes sociais — repressão freelancer e anônima, múltipla e mentirosa, sem qualquer limite. A nova ameaça aos criadores hoje.

A vida social vai além dos objetos materiais. A compreensão e aceitação do outro exigem que nos exponhamos a opiniões diversas, sem vitimizações nem ressentimentos. A cultura é essencial, ao nos trazer a dimensão simbólica. Mas deve ser entendida como a manifestação de espíritos livres, ainda que por vezes não concordemos com eles. Para que nos eleve, precisa voar nas asas da liberdade.

Prisioneiros dos desastres ambientais, submetidos ao carimbo do pensamento único, atolados em casuísmos marotos e progressivamente exilados da arte, estamos reféns deste pântano político e moral do Brasil de hoje, nas mãos de quem quer sapatear em nosso caixão. Até quando? Como sair?

O Globo, 28/10/2019