Duas grandes surpresas marcaram a nossa visita ao MASP (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand), para assistir à exposição de Tarsila do Amaral. A primeira foi a alegre presença de dezenas de crianças de 6 a 7 anos na plateia, com professoras entusiasmadas explicando o significado da antropofagia. Nesse momento, fui tomado pelo sentimento da nostalgia, pois lembrei a minha passagem pela Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, de 1979 a 1983, quando pude desenvolver projetos que buscavam valorizar as artes plásticas nas escolas, para que a criançada começasse, desde cedo, a valorizar os nossos artistas.
Lançamos na época o Plano de Ação de Educação e Cultura (PAEC), relacionando diversas ações para os dois setores. O plano quadrienal conseguiu grandes avanços, incorporando e revitalizando o acervo cultural dos municípios, através das atividades curriculares. Em relação às artes plásticas, organizamos visitas orientadas e dinamizamos os nossos principais museus e também desenvolvemos projetos educativos de montagens de exposições (fixas e itinerantes), formando com isso novos públicos para as manifestações culturais e artísticas do Estado do Rio de Janeiro. Proporcionamos aos alunos contato com instituições como o Museu Nacional de Belas Artes, Museu Histórico, Museu da República, Museu de Arte Moderna e Museu Imperial. Essas são boas lembranças do Rio de Janeiro que me chegaram graças à imagem das crianças na exposição de Tarsila do Amaral, em São Paulo.
A segunda surpresa foi a presença do quadro “Abaporu” no local. Através de sua dimensão até certo ponto pequena (85 cm x 72 cm), essa pintura de óleo sobre tela nos mostra a grandeza da nossa artista, que a produziu nos anos 1920, no auge do chamado período antropofágico do movimento modernista.
Apesar de hoje ser o quadro brasileiro mais valioso no mercado mundial, à frente de obras de monstros sagrados como Guignard, Cândido Portinari, Lygia Clark, Milton Dacosta e Alfredo Volpi, infelizmente, o “Abaporu” não nos pertence mais. Em 1995, a tela foi adquirida por um colecionador argentino, por US$ 2,5 milhões, num concorrido leilão realizado na Christie’s, uma das empresas de arte mais importantes do mundo, localizada em Londres, no Reino Unido. Atualmente, em valores atualizados, está valendo mais de US$ 40 milhões. Observem a valorização da obra nesses 24 anos. A nova casa do quadro de Tarsila do Amaral é o Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (MALBA), que gentilmente a cedeu para a exposição “Tarsila Popular”.
Dizem que o quadro foi pintado por Tarsila do Amaral para ser ofertado como um presente de aniversário ao seu então marido, o escritor Oswald de Andrade. Outra história bonita está relacionada ao nome da obra. Oswald e o poeta Raul Bopp (autor do livro “Cobra Norato”) capricharam na hora de dar um título para a obra-prima do modernismo brasileiro. Tudo foi muito bem articulado, até chegar a “Abaporu”, que veio à tona com a união de três termos em tupi guarani: aba (homem), pora (gente) e ú (comer), que significa “homem que come gente”. Logo depois foi criado o movimento antropofágico, que se notabilizou por absorver os ingredientes da cultura estrangeira e depois fazer a devida adaptação para a realidade brasileira, “devorando” as más influências, quando necessário. Alguns especialistas também costumam fazer uma analogia da obra de Tarsila do Amaral com “O Pensador”, a famosa escultura de bronze do francês Auguste Rodin. Acho pouco provável, mas o que importa é que são duas grandes obras universais.