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Renovação da Língua (2)

 

Os termos e locuções de fontes estrangeiras eram trazidos por pessoas que sabiam os idiomas, ou que tinham sobre eles alguma informação de pronúncia e grafia; por isso, se vestiam com as feições originárias. Admitidos na linguagem diária, muitos desses estrangeirismos mais usados podiam ser acomodados à pronúncia e grafia do português, que os recebia; aportuguesavam-se, apesar da crítica de juízes mais exigentes.

José de Alencar, sempre sintonizado com o que ele chamou “língua do progresso”, apoiava tais nacionalizações e assim se manifestou numa polêmica travada com Joaquim Nabuco, em 1875: “Notou ainda o crítico a palavra ‘grog’, de origem inglesa, por mau aportuguesamento em grogue. Podia notar outras como tílburi, piquenique, lanche; ou crochete e champanhe, do francês. Desde que termos estrangeiros são introduzidos em um país pela necessidade e tornam-se indispensáveis nas relações civis, a língua, que os recebe em seu vocabulário, reage, por uma lei natural sobre a composição etimológica, para imprimir-lhe o seu próprio caráter morfológico. A pronúncia e a ortografia alteram-se, em alguns casos profundamente, mas sempre conforme leis fonéticas, estudadas por Jacob Grimm e seus continuadores. [...]As línguas estrangeiras também por sua vez corrompem ou antes sujeitam ao seu molde os nossos vocábulos brasileiros. Assim os franceses mudaram goiaba em ‘goiave’, caju em ‘acajou’, mandioca em ‘manioc’; e o mesmo acontece com os outros povos acerca de várias palavras americanas. A iniciativa dessa nacionalização filológica do vocábulo exótico há de partir de alguém, mas quem será o primeiro a dar-lhe o cunho brasileiro; e por que não pode ser este seu escritor?” (pág. 195-196 da edição de Afrânio Coutinho).

Todo este trecho de Alencar antecipa de quase 150 anos as questões de que hoje tratam linguistas, filólogos, gramáticos, escritores e jornalistas. As propostas do escritor cearense pouco diferem das apresentadas agora, embora tenha de haver bom senso no processo da nacionalização, porque muitos desses termos estrangeiros pertencem ao rol daqueles que Sergio Correia da Costa chamava “palavras sem fronteiras”, que pertencem a terminologias técnicas e que na forma estrangeira correm mundo em todas ou quase todas as línguas; a nacionalização pode segregar o idioma em face do internacional generalizado.

Na história dos estrangeirismos merecem atenção especial as palavras de torna-viagem, isto é, aquelas que depois de passar por uma língua a outra, retornam à primeira sob a roupagem exótica da segunda; aconteceu isto com o português feitiço, que passou para o francês ‘fétiche’ e depois foi tomado do francês para o português sob a forma fetiche, com o derivado fetichismo.

No tempo de Alencar, com vigência até nossos dias, os empréstimos do francês — os galicismos — eram repelidos com veemência por todos os puristas de plantão, portugueses e brasileiros, gramáticos e escritores. O nosso romancista encontrou a razão da rejeição, mostrando a sem-razão do procedimento, antecipando-se de anos à lição dos filólogos Adolf Noreen e Michel Bréal, segundo a qual esse repúdio continuava dissensões e desavenças políticas entre povos, com as quais, apesar de justas, os estudos linguísticos nada têm de ver. Assim os filólogos gregos proscreviam as palavras turcas, como os tchecos vetavam as alemãs, os alemães as francesas e os portugueses as francesas, aqui para vingar a invasão de Portugal pelas tropas de Junot. Leia-se o comentário certeiro de Alencar em defesa dos galicismos que ele emprega em suas obras: “Mas a mania do classismo, que outro nome não lhe cabe, repele a mínima afinidade entre duas línguas irmãs, saídas da mesma origem. Temos nós a culpa do ódio que semearam em Portugal os exércitos de Napoleão?” (Iracema, Pós-escrito, 1870).

O Dia (RJ), 10/10/2010