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Oscar para o Brasil ontem e hoje

 

Antigamente era o governo que indicava o filme nacional que ia competir como o melhor filme estrangeiro no Oscar americano. Conforme a época, isso era feito pela Embrafilme, pelo Ministério da Cultura e até mesmo pelo próprio Itamaraty. Mas nunca demos muita bola para o Oscar, que considerávamos uma premiação da e para a indústria de cinema americano.

Os americanos também não levavam muito a sério essa categoria da premiação. O Oscar de melhor filme estrangeiro era, em geral, atribuído ao filme que mais chegasse perto da tradição americana de uma dramaturgia naturalista e romântica. Um filme que, falado em outra língua, melhor reproduzisse a concepção dos grandes estúdios responsáveis pelos sucessos nas salas do mundo inteiro.

Isso mudou. Uma nova geração de cinéfilos americanos, formada nas universidades e escolas de cinema, acabou se interessando por filmes que apontavam para um futuro com novas ideias e conceitos que não tinham mais nada a ver com o que estava acostumada a consumir.

Gente como Godard, Truffaut, Fellini, Bergman, Ray ou Ozu passou a interessar esses jovens como criadores de um cinema que não era mais aquele das sessões vespertinas de seus quarteirões, mas alguma coisa que apontava para o futuro da media. Essa rapaziada acabou ocupando os estúdios do país com seus filmes. A New Hollywood de Dennis Hopper, Coppola e Scorsese encontrava assim a sua necessária equivalência industrial.

Jornalistas e críticos, os teóricos das telas passaram a defender esses filmes, a cultivar a existência desses autores. A AMPAS, a Academia de Hollywood, assumiu essa conduta e, no que diz respeito aos prêmios do Oscar, passou a valorizar as novidades. Uma nova tendência se impunha, era preciso acompanhá-la.

Foi aí que o melhor cinema brasileiro começou a se interessar pelo assunto. De saída tivemos a seleção de alguns filmes, muitos premiados, e nunca mais tratamos o Oscar com desdém.

Pelo contrário, a escolha do filme brasileiro concorrente tem sido objeto de debates e até de certo desentendimento entre nós. A responsabilidade por sua escolha ficou conosco e, assim, cada um tem seu critério, a melhor forma de escolher o concorrente. E concorrer.

Nossa Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais representa os cineastas do país e por isso tem o privilégio que devia se ampliar a todos os outros eventos internacionais. É ela que decide, por meio de comissões eleitas coletivamente, quem vai nos representar naquelas disputas. Para isso ela tem o apoio dos cineastas de todo o mundo que também procuram se fazer representar em semelhantes oportunidades.

E a academia é uma entidade democrática, de livre acesso e fácil retirada. Se o cineasta não estiver satisfeito com seu comportamento, sua política e decisões, basta se desligar dela, se desligando de tudo que ela estabelece.

Ela é hoje objeto de respeito e reconhecimento que corresponde ao que é a AMPAS para o cinema americano. Apesar de sua sede se encontrar em Los Angeles, a cidade da Califórnia tratada como a capital do cinema americano, a MPA (Motion Pictures Association), à qual ela se encontra ligada e da qual depende, está estabelecida em Washington DC, em frente à Casa Branca, pois tanto os cineastas quanto os políticos, burocratas e servidores dos EUA reconhecem sua importância estratégica e decisiva para a economia e a cultura americanas.

A Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais determina ou aprova cada passo dado no sentido de seu crescimento e representatividade, a partir do projeto de seus responsáveis para que o cinema seja uma economia nacional poderosa. Além de uma homenagem à velha fórmula do presidente Roosevelt para o poder internacional da América, a política dos 3 Fs formulada nos anos 1930: “Flag follows films” (a bandeira segue os filmes).

O Brasil se beneficiaria assim com a construção de sua economia, mas também com o do país difundido pelos filmes — seus costumes, sua música e seu povo, seu modo de viver a vida. No caso americano, isso tudo saiu mais barato e mais efetivo que o tradicional poder bélico para a conquista de outros países. Embora não queiramos conquistar ninguém, ficaremos mais conhecidos pelo mundo afora. E isso não é nada mau.

O Globo, 10/09/2023